Assalto: é roubo ou extorsão?

14/04/2016 às 11:51
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Os crimes de roubo e de extorsão são demasiadamente idênticos, havendo enormes confusões doutrinárias e jurisprudências sobre os dois institutos. Em caso de um assalto, por exemplo, é roubo ou extorsão?

Dentro do campo do Direito Penal, existem diversas condutas que se amoldam a mais de um tipo penal, criando uma imensa discussão doutrinária e jurisprudencial acerca de qual dos tipos penais se aplicará àquela conduta. Isso ocorre devido a similaridade entre os tipos penais, que abarcam ou deixam de abarcar condutas distintas por ocasião de sua redação. No campo dos crimes patrimoniais, talvez os tipos penais mais similares e que causam essa confusão são o roubo (art. 157) e a extorsão (art. 158). A redação dos referidos tipos penais dada pelo Código Penal é, respectivamente:

Art. 157: Subtrair coisa móvel alheia, para si ou para outrem, mediante grave ameaça ou violência a pessoa, ou depois de havê-la, por qualquer meio, reduzido à impossibilidade de resistência:

Art. 158 - Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, e com o intuito de obter para si ou para outrem indevida vantagem econômica, a fazer, tolerar que se faça ou deixar de fazer alguma coisa:

           

Conforme a redação dada acima, roubo ocorre quando o agente subtrai um bem móvel alheio utilizando-se de violência, grave ameaça ou de qualquer modo que retira a resistência da vítima. É um furto ocorrido de forma violenta. É roubo, portanto, quando o agente empurra alguém para subtrair sua carteira, quando arranca violentamente a corrente, quando tranca alguém no banheiro e o subtrai, dentre outras condutas. Já extorsão ocorre quando o agente obriga alguém, utilizando-se da violência ou grave ameaça, a realizar, deixar de realizar ou tolerar que se realize uma conduta que tem como objetivo ganhar vantagem pecuniária. Assim, será extorsão quando o agente aponta uma arma para terceiro e diz para este sacar dinheiro no banco, ou quando ameaça alguém se a vítima não lhe der dinheiro. É uma forma diferenciada do crime de roubo. Enquanto no primeiro a vantagem pecuniária se dá de forma abrupta, arrancada pelo próprio agente, no segundo a vantagem é entregue pela própria vítima, de forma não espontânea – a vontade da vítima está viciada por causa da coação.

            Os tipos penais são demasiadamente parecidos, de difícil aplicação no dia a dia forense. Para evitar injustiças, o legislador de 1940 colocou as penas do roubo e da extorsão como idênticas, sendo a mesma tanto para um quanto para o outro – quatro a dez anos de reclusão, e multa. Da mesma forma, a pena dos dois crimes é a mesma quando há emprego de arma, concurso de pessoas (art. 157, § 2º, I e II e art. 158, § 1º), lesão corporal grave ou morte (art. 157, § 3º e art. 158, § 2º), só ficando divergente as penas atualmente em relação à restrição de liberdade (art. 157, § 2º, V e art. 158, § 3º).

Da mesma forma, abre divergência entre os crimes de roubo e extorsão quando se trata do iter criminis de ambos. Conforme entendimento sufragado até pelo Superior Tribunal de Justiça ano passado, o crime de roubo se consuma quando o agente detém a posse da res furtiva, ainda que por breves segundos. Ou, nas palavras do Colendo Tribunal: "Consuma-se o crime de roubo com a inversão da posse do bem, mediante emprego de violência ou grave ameaça, ainda que por breve tempo e em seguida a perseguição imediata ao agente e recuperação da coisa roubada, sendo prescindível a posse mansa e pacífica ou desvigiada.". Assim, ainda que o agente possua a res durante alguns segundos, estará consumado o crime de roubo.

            A extorsão, ao contrário do crime de roubo, consuma-se em momento distinto. Conforme entendimento doutrinário e jurisprudencial massivo – que culminou na edição da Súmula 96 pelo STJ, o tipo penal do art. 158 do Código Penal é crime transcendental, sendo a consumação e o exaurimento dados em momentos distintos. Conforme a redação dada pelo referido artigo, o crime de extorsão consuma-se no momento em que o agente constranger a vítima, utilizando-se da violência ou grave ameaça, para que esta aja, tolera que se aja, ou deixe de agir, visando uma vantagem patrimonial. A obtenção da dita vantagem é mero exaurimento do crime, não importando para a sua consumação. Assim, pode-se haver uma consumação do crime de extorsão quando ainda se encontra na fase de execução se fosse crime de roubo.

Entretanto, em relação aos assaltos, prática tão comum nas grandes capitais, deverá ser aplicado o tipo penal do roubo ou da extorsão? O modus operandi dos bandidos são normalmente os mesmos: apontam suas armas (seja de fogo, seja branca) para a(s) vítima(s) e exige(m) dinheiro e/ou bens, como celular e carteira. A(s) vítima(s), rendida(s), entrega(m) o dinheiro e/ou os bens aos criminosos, que evadem do local às pressas, normalmente na posse de um veículo. Neste caso, estamos falando de crime de roubo ou de extorsão?

            Conforme já foi dito anteriormente, o roubo ocorre quando o agente subtrai a res furtiva, enquanto que na extorsão a própria vítima lhe entrega a res, seja através da violência, seja amedrontada diante de uma ameaça grave. O próprio agente faz a transferência da propriedade do bem na subtração no primeiro caso, enquanto que no segundo é a vítima que faz a transferência, seguindo uma ordem do agente (que a constrangeu para fazer aquilo). Assim, não é cabível dizer que nos assaltos estamos diante de crimes de roubo e sim crimes de extorsão. Só ocorrerá crime de roubo quando o agente utiliza da violência ou da grave ameaça para impedir a reação da vítima e ele próprio subtrai a res furtiva. Por exemplo: um agente aponta uma arma de fogo para a vítima e retira o cordão de seu pescoço. Já quando ele aponta a arma em direção à vítima e exige que a mesma lhe entregue o dinheiro ou que jogue no chão a carteira, estamos falando de crime de extorsão.

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            E quando se dará a consumação no caso em comento? Conforme dito anteriormente, a consumação dos crimes de roubo e extorsão ocorrem em momentos distintos. No caso, tão logo a vítima obedecer o assaltante, entregando-lhe a res para ele, estaraá consumado o crime de extorsão, ainda que o agente seja preso, por exemplo, dentro do estabelecimento assaltado ou na frente da vítima. A obtenção da vantagem patrimonial é irrelevante para a consumação do crime de extorsão, bastando que a vítima obedeça à ordem dada pelo agente para consumar o crime – ao contrário do crime de roubo, que exige que o agente detenha a res, que tenha a vantagem patrimonial, ainda que por breves segundos.

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Sobre o autor
Rodrigo Picon

Formado em Direito pelo Instituto Tancredo de Almeida Neves e pós-graduado em Direito Penal Econômico Aplicado pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas), Rodrigo Picon é advogado, regularmente inscrito pela Ordem dos Advogados do Brasil de Minas Gerais, escritor e contista. Atua nas áreas criminal, empresarial, penal econômica, tributária, difusos e coletivos e de adequação à Lei Geral de Proteção de Dados. É autor dos livros "Direitos Difusos e Coletivos" e "Código Penal Comentado".

Informações sobre o texto

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