A incidência dos direitos constitucionais fundamentais no âmbito das relações privadas (eficácia horizontal ou efeito externo dos direitos fundamentais)

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De suma importância conhecer alguns casos julgados pelo STF nos quais reconheceu-se que as normas constitucionais fundamentais se aplicam nas relações entre particulares (relações horizontais). Eis o propósito do presente ensaio.

Os direitos fundamentais nascem com a função de limitar o arbítrio do Estado em face do particular. Por terem surgido como forma de minimizar a opressão do Estado contra o cidadão, formou-se doutrina no sentido de que os direitos fundamentais apenas seriam aplicáveis nas relações verticais entre “Zeus” (Estado) e a “formiga” (cidadão).

No entanto, não somente vê-se desigualdade nas relações Estado-particular, mas também é de visibilidade meridiana a possibilidade de violação a direitos fundamentais nas relações entre particulares (relação horizontal, portanto), notadamente naqueles casos em que o poderio de certos particulares (ou organizações privadas poderosas) podem privar os demais do mínimo ético irredutível. Citamos, por exemplo, a usual exploração do homem pelo homem comumente ocorrida nas relações de trabalho.

Portanto, passou-se a admitir a aplicação dos direitos fundamentais às relações privadas. A decisão do STF que mais profundou o tema concluiu que normas fundamentais de cunho constitucional-procedimental, como a ampla defesa, podem incidir diretamente sobre relações entre particulares (horizontais), principalmente quando se tratar de punição de integrante de entidade privada (no caso concreto, a punição deu-se no âmbito de uma associação – RE 201.819).

Vejamos julgados do STF sobre a matéria:

EMENTA: CONSTITUCIONAL. TRABALHO. PRINCÍPIO DA IGUALDADE. TRABALHADOR BRASILEIRO EMPREGADO DE EMPRESA ESTRANGEIRA: ESTATUTOS DO PESSOAL DESTA: APLICABILIDADE AO TRABALHADOR ESTRANGEIRO E AO TRABALHADOR BRASILEIRO. C.F., 1967, art. 153, § 1º; C.F., 1988, art. 5º, caput. I. - Ao recorrente, por não ser francês, não obstante trabalhar para a empresa francesa, no Brasil, não foi aplicado o Estatuto do Pessoal da Empresa, que concede vantagens aos empregados, cuja aplicabilidade seria restrita ao empregado de nacionalidade francesa. Ofensa ao princípio da igualdade: C.F., 1967, art. 153, § 1º; C.F., 1988, art. 5º, caput). II. - A discriminação que se baseia em atributo, qualidade, nota intrínseca ou extrínseca do indivíduo, como o sexo, a raça, a nacionalidade, o credo religioso, etc. é inconstitucional. Precedente do STF: Ag 110.846(AgRg)-PR, Célio Borja, RTJ 119/465. III. - Fatores que autorizariam a desigualização não ocorrentes no caso. IV. - R.E. conhecido e provido (RE 161.243/DF).

DEFESA - DEVIDO PROCESSO LEGAL - INCISO LV DO ROL DAS GARANTIAS CONSTITUCIONAIS - EXAME - LEGISLAÇÃO COMUM. A intangibilidade do preceito constitucional assegurador do devido processo legal direciona ao exame da legislação comum. Daí a insubsistência da óptica segundo a qual a violência à Carta Política da República, suficiente a ensejar o conhecimento de extraordinário, há de ser direta e frontal. Caso a caso, compete ao Supremo Tribunal Federal exercer crivo sobre a matéria, distinguindo os recursos protelatórios daqueles em que versada, com procedência, a transgressão a texto constitucional, muito embora torne-se necessário, até mesmo, partir-se do que previsto na legislação comum. Entendimento diverso implica relegar à inocuidade dois princípios básicos em um Estado Democrático de Direito - o da legalidade e do devido processo legal, com a garantia da ampla defesa, sempre a pressuporem a consideração de normas estritamente legais. COOPERATIVA - EXCLUSÃO DE ASSOCIADO - CARÁTER PUNITIVO - DEVIDO PROCESSO LEGAL. Na hipótese de exclusão de associado decorrente de conduta contrária aos estatutos, impõe-se a observância ao devido processo legal, viabilizado o exercício amplo da defesa. Simples desafio do associado à assembléia geral, no que toca à exclusão, não é de molde a atrair adoção de processo sumário. Observância obrigatória do próprio estatuto da cooperativa. (RE 158.215/RS).

Eis, os principais julgados nos quais o Supremo Tribunal Federal pontificou a necessidade de aplicação dos direitos jusfundamentais constitucionais às relações privadas.

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Sobre o autor
Matheus Augusto de Almeida Cardozo

Defensor Público do Estado de Pernambuco, titular da Vara Privativa do Tribunal do Júri da Comarca de Petrolina.<br><br>Ex-Defensor Público do Estado de Goiás.<br><br>Ex-Analista Superior Jurídico da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro.<br><br>Pós-graduado em Ciências Criminais pelo JusPodivm.

Informações sobre o texto

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