Características do inquérito policial

24/02/2016 às 23:29
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O inquérito é tratado sob o enfoque de suas características com as devidas observações e peculiaridades.

Introdução

Abordar as características do inquérito policial, não é uma tarefa fácil, pois, muitas vezes estes assuntos referem-se a diversos pontos divergentes que, calorosamente, são debatidos por nossos doutrinadores, neste artigo existe, apenas, uma breve explicação das principais características e como elas influenciam no inquérito policial.

I) Características do Inquérito Policial:

            As características do inquérito policial são atributos relacionados à normatização do inquérito policial que devem ser seguidos como parâmetros de uniformidade e devem ser observadas desde o inicio das investigações até o seu fim. Neste artigo haverá delineamento das principais características, as quais não recebem tratamento uniforme pela doutrina existindo divergência quanto às respectivas nomenclaturas.

1) Escrito/ Formal:

         Esta característica ocorre por determinação legal do Art. 9 do CPP: “Todas as peças do inquérito policial serão, num só processado, reduzidas a escrito ou datilografadas e, neste caso, rubricadas pela autoridade.” É a forma natural de se realizar procedimentos de natureza pública, pois, como observa Renato Marcão (2014, p.119): “é inconcebível a forma verbal, e imprescindível seja ele materializado na forma escrita”. Porém, este dispositivo deve ser interpretado de forma progressiva, a fim de permitir que a norma acompanhe as inovações tecnológicas de mídia digital.

            Diante das novas tecnologias surge a seguinte pergunta: “É possível gravar as investigações ou atos do inquérito, tendo em vista que o art. 9º fala somente em “peça escrita”?” A resposta só pode ser positiva pela integração analógica do dispositivo previsto no art. 405, §1º do CPP, que apesar de tratar especificamente da instrução processual, pode ser amplamente aplicado durante o inquérito, observando as respectivas diferenças:

Art. 405.  Do ocorrido em audiência será lavrado termo em livro próprio, assinado pelo juiz e pelas partes, contendo breve resumo dos fatos relevantes nela ocorridos.

§ 1º Sempre que possível, o registro dos depoimentos do investigado, indiciado, ofendido e testemunhas será feito pelos meios ou recursos de gravação magnética, estenotipia, digital ou técnica similar, inclusive audiovisual, destinada a obter maior fidelidade das informações.

2) Dispensável:

            Nem sempre será necessária a realização de inquérito para que seja oferecida a denúncia ou queixa, porém, se o procedimento investigativo existir ele deve acompanhar a exordial amparando-a, sempre que necessário de acordo com o art. 12 do CPP: “O inquérito policial acompanhará a denúncia ou queixa, sempre que servir de base a uma ou outra”.

            O inquérito será dispensável quando:

  1. O titular da ação penal tiver acesso aos elementos informativos obtidos em procedimento investigatório diverso do inquérito, que podem ser apresentados por terceiros ou não;
  2. A própria vítima apresentar elementos informativos necessários para sustentar a denúncia ou se for o caso apresentar diretamente queixa-crime.

            Verifica-se que o Código de Processo Penal permite a dispensabilidade do inquérito na ação penal pública de acordo com o art. 27: “Qualquer pessoa do povo poderá provocar a iniciativa do Ministério Público, nos casos em que caiba a ação pública, fornecendo-lhe, por escrito, informações sobre o fato e a autoria e indicando o tempo, o lugar e os elementos de convicção”. No caso das ações penais públicas que exigem representação existe a regra do art.39, §5º, CPP:

Art. 39.  O direito de representação poderá ser exercido, pessoalmente ou por procurador com poderes especiais, mediante declaração, escrita ou oral, feita ao juiz, ao órgão do Ministério Público, ou à autoridade policial:

§ 5º O órgão do Ministério Público dispensará o inquérito, se com a representação forem oferecidos elementos que o habilitem a promover a ação penal, e, neste caso, oferecerá a denúncia no prazo de quinze dias.

            Deve-se ter o devido cuidado, pois, o inquérito é indispensável para a autoridade policial, caso ocorra crime de ação penal de iniciativa pública devendo instaurar o procedimento de acordo com o Art. 5º, I CPP: “Nos crimes de ação pública o inquérito policial será iniciado: I - de ofício”.

            Poderia ficar a dúvida: O Ministério Público pode oferecer denúncia sem prévio inquérito policial ou peças de informação? Sem inquérito policial é possível, por outro lado, sem peças de informação, a resposta só pode ser negativa. Não podemos esquecer que o titular da ação penal deve ter suporte probatório para apresentar a exordial.

3) Sigiloso:

            Não há dúvida de que a regra é a publicidade em qualquer ato público, incluindo o inquérito, conforme dispositivos constitucionais art. 5º, XXXIII: “todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado” corroborado pelo art. 37: “A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte”.

            Entretanto, muitas vezes o sigilo durante a fase do inquérito é indispensável para a própria eficácia das investigações, o art. 20 do CPP: “A autoridade assegurará no inquérito o sigilo necessário à elucidação do fato ou exigido pelo interesse da sociedade”, afirma que o interesse do sigilo refere-se a elucidação do fato no interesse da sociedade, este “interesse” não é privado do delegado, na verdade ele é necessário para justificar o sigilo, o que não afasta a discricionariedade da Autoridade Policial quanto a forma que será imposto e qual a melhor estratégia para elucidação das investigações.

            Questões intrigantes ocorrem no cotidiano de delegacias de policia civil e federal, referentes ao acesso dos autos por parte dos defensores, nesta situação há real embate entre a defesa querer se defender de diligências que possam trazer valor probatório com forte carga acusatória contra o seu cliente e por outro lado às autoridades policiais que desejam coletar o maior número de provas para a formação da materialidade e fortalecimento dos indícios de autoria, sem que tenha suas diligências frustradas.

            Os embates existiam por suposto conflito entre o Código de Processo Penal, através do art. 20 em contraposição ao art. 7º, XIII a XV, e §1º, da Lei 8.906/94 (Estatuto da OAB), que permite a consulta do advogado a qualquer autos de flagrante ou investigação, em andamento ou concluso mesmo que estejam em andamento:

XIII - examinar, em qualquer órgão dos Poderes Judiciário e Legislativo, ou da Administração Pública em geral, autos de processos findos ou em andamento, mesmo sem procuração, quando não estejam sujeitos a sigilo, assegurada a obtenção de cópias, podendo tomar apontamentos;

XIV: “São direitos do advogado: examinar, em qualquer instituição responsável por conduzir investigação, mesmo sem procuração, autos de flagrante e de investigações de qualquer natureza, findos ou em andamento, ainda que conclusos à autoridade, podendo copiar peças e tomar apontamentos, em meio físico ou digital; (Redação dada pela Lei nº 13.245, de 2016)

XV - ter vista dos processos judiciais ou administrativos de qualquer natureza, em cartório ou na repartição competente, ou retirá-los pelos prazos legais.

            Para resolver a polêmica do acesso do advogado aos autos o Supremo Tribunal Federal editou a Súmula Vinculante nº. 14: “É direito do defensor, no interesse do representado ter acesso amplo aos elementos de prova, que, já documentados em procedimento investigatório realizado por órgão com competência de polícia judiciária, digam respeito ao exercício do direito de defesa”. A Súmula é anterior a Lei 13.245/2016 que alterou o inciso XIV do art.7º do Estatuto da OAB.

            A súmula afirma que o defensor tem direito de acessar os autos, desde que esteja no interesse do representado, fica evidente que não se refere a qualquer advogado acessando qualquer auto, apesar do art. 7º, VI, “b” do Estatuto da OAB dizer que o advogado pode entrar em qualquer repartição policial, sem ter sua entrada obstruída, não quer dizer que o advogado pode consultar qualquer procedimento, é o que a súmula confere com a redação da palavra “interesse do representado”, que deve ser lido em conjunto com a expressão “mesmo sem procuração” do inciso XIV do art. 7º do Estatuto da OAB. Existindo interesse do representado, pode se falar em livre acesso aos autos sem procuração obedecendo às restrições da súmula ao afirmar em autos “já documentados” e nas restrições legais em que há clausula de sigilo, art. 7º, §10º do Estatuto. Neste caso, o advogado deve provar de alguma forma que está pleiteando a defesa do indiciado. Como exemplo: o advogado que acompanhou a prisão em flagrante ou qualquer ato procedimental (diligências, reconstituição), este defensor terá acesso aos autos. No entanto se não há nenhuma menção ao defensor em nenhum ato, deve este apresentar documento legítimo que lhe confere poderes para acessá-los.

            Ocorre a seguinte pergunta: “Se o Inquérito está em andamento, pode haver consulta?” SIM, mas a diligência específica que ainda não foi concluída e documentada NÃO poderá ser objeto de consulta. Se os autos estiverem sob clausula de sigilo, determinado de forma discricionária pela autoridade, será necessário a procuração, como mencionado anteriormente, é a redação do art. 7º, § 10º da Lei 8.906/94: “Nos autos sujeitos a sigilo, deve o advogado apresentar procuração para o exercício dos direitos de que trata o inciso XIV”.

            Exemplo clássico é o caso do advogado que pretende consultar a interceptação telefônica que se encontra em andamento, este acesso pode ser negado.

            Cabe ressaltar que o Verbete 14 da Súmula Vinculante não alcança sindicância que objetiva elucidação de fatos sob o ângulo do cometimento de infração administrativa é o que decidiu o STF (Rcl 10.771 AgR/RJ, rel. min. Marco Aurélio, julgado em 4-2-2014, acórdão publicado no DJE de 18-2-2014)

            Existem instrumentos específicos para resguardar a liberdade profissional do advogado, caso a autoridade policial ou responsável pela investigação, negue acesso aos autos, ou apresente fornecimento incompleto de autos ou o fornecimento de autos em que houve a retirada de peças já incluídas no caderno investigativo, poderá o defensor ajuizar:

  1. Petição ao juiz competente para acessar os autos, nos termos do art. 7º, §12º da Lei. 8.906/94: A inobservância aos direitos estabelecidos no inciso XIV, o fornecimento incompleto de autos ou o fornecimento de autos em que houve a retirada de peças já incluídas no caderno investigativo implicará responsabilização criminal e funcional por abuso de autoridade do responsável que impedir o acesso do advogado com o intuito de prejudicar o exercício da defesa, sem prejuízo do direito subjetivo do advogado de requerer acesso aos autos ao juiz competente.       (Incluído pela Lei nº 13.245, de 2016)
  2. Reclamação perante o STF nos termos do art. 103-A, § 3º da CF.
  3. Mandado de Segurança, em que postulará o seu próprio direito líquido e certo de acessar os autos. (art. 5º, LXIX da CF combinado com o art. 1º da L. 12.016/09)
  4. Habeas Corpus a favor da proteção da liberdade de locomoção do investigado, desde que a investigação recaia sobre crime apenado com pena privativa de liberdade. A espécie a ser utilizada é a profilática, que de acordo com Noberto Avena (2014):

Destinado a suspender atos processuais ou impugnar medidas que possam importar em prisão futura com aparência de legalidade, porém intrinsecamente cominada por ilegalidade anterior. Neste caso, a impugnação não visa ao constrangimento ilegal de locomoção já consumado ou à ameaça iminente de que ocorra esse constrangimento, mas sim a potencialidade de que este constrangimento venha a ocorrer.

            Fernando Capez (2012, p.27) afirma que poderá ocorrer eventual crime de abuso de autoridade por parte da autoridade policial, tipificado no art.3º, “j” da Lei 4898/65: “Constitui abuso de autoridade qualquer atentado: j) aos direitos e garantias legais assegurados ao exercício profissional”.

A Lei de Abuso de Autoridade, por sua vez, considera crime qualquer atentado aos direitos e garantias legais asseguradas ao exercício profissional. Para que se aperfeiçoe essa infração, há necessidade de uma norma complementar enumerando quais são os direitos e garantias para o exercício da profissão, razão pela qual o presente tipo é uma norma penal em branco. Sem enumeração legal de direitos, não há o que ser violado. No caso do advogado, conforme a Lei n. 8.906, de 4 de julho de 1994, que dispõe sobre o Estatuto da Advocacia e a OAB, os direitos estão previstos nos vinte incisos do art. 7º.

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            O entendimento deste autor torna-se corroborado pela nova redação do art. 7º, §12º do Estatuto da OAB, que permite a responsabilização criminal e administrativa da autoridade. Cabe ressaltar que a conduta de abuso deve possuir o elemento subjetivo do tipo na modalidade dolosa, se a autoridade policial não possuir intenção deliberada de prejudicar o acesso aos autos consequentemente não haverá o crime.

            Deve-se estabelecer a diferença entre os tipos de sigilo:

  1. Externo: é imposto contra o público em geral, alheio as investigações, tem a finalidade de evitar a divulgação de informações essenciais o que pode prejudicar as investigações e evitar um julgamento público antecipado, podendo ainda macular a imagem do investigado, aplica-se à imprensa em geral.
  2. Interno: está ligado ao:

a) Indiciado ou investigado e respectivo defensor, assunto abordado anteriormente, em regra o acesso independe de autorização judicial, porém, no caso de crimes envolvendo organização criminosa o advogado deverá requerer autorização judicial nos termos do art. 23 da L. 12.850/13:

O sigilo da investigação poderá ser decretado pela autoridade judicial competente, para garantia da celeridade e da eficácia das diligências investigatórias, assegurando-se ao defensor, no interesse do representado, amplo acesso aos elementos de prova que digam respeito ao exercício do direito de defesa, devidamente precedido de autorização judicial, ressalvados os referentes às diligências em andamento.

b) Ministério Público e Juiz, estes possuem acesso amplo e irrestrito ao inquérito e a qualquer diligência.

            Por fim, o paragrafo único do art. 20 do CPP, afirma que: “Nos atestados de antecedentes que lhe forem solicitados, a autoridade policial não poderá mencionar quaisquer anotações referentes à instauração de inquérito contra os requerentes”. O dispositivo refere-se ao “atestado de bons antecedente”, vulgo “nada consta”, na maioria das Polícias Civis dos Estados e na Polícia Federal, este atestado poderá ser extraído através de consulta eletrônica, atualmente não se pode constar os inquéritos que estão em trâmite.

4) Indisponível:

            Significa que a autoridade policial não pode arquivar o inquérito policial ex officio, depois que iniciou as investigações, por isto, a autoridade deve se acautelar para não iniciar procedimento temerário, pois, assim que for iniciado deverá ser esgotada as diligências necessárias para elucidação do fato, se no decorrer das investigações a autoridade perceber que não se trata de fato típico penal, deverá encaminhar os autos ao poder judiciário não podendo simplesmente arquivá-los, é o que se infere da redação do art. 17 do CPP: “A autoridade policial não poderá mandar arquivar autos de inquérito”. Cabe a autoridade judiciária o respectivo arquivamento, após, o parecer do parquet.

5) Inquisitivo:

            A regra é a não existência da aplicação dos princípios do contraditório e da ampla defesa no inquérito, princípios que surgem com o efetivo inicio da ação penal, ou seja, após o recebimento da denúncia, com a manifestação através da resposta à acusação.

            As diligências persecutórias estão sob o encargo de uma única autoridade, no caso a responsável pela investigação, que não necessita apresentar seus atos as partes para que estas se manifestem, apesar de a parte contrária poder fazer a manifestação se entender necessário pela nova redação do art. 7º, XXI, “a” do Estatuto da OAB, o que se torna obrigatório durante o processo penal.

            Esta característica é necessária, pois, permite a agilidade das investigações, otimizando a atuação da autoridade policial, é a opinião bem fundamentada de Nestor Távora e Rosmar Alencar (2014, p.120)

            No inquérito policial não é necessário utilizar o rigorismo formal de atos realizados pelo juiz que regem o processo com a participação obrigatória da defesa, ainda não exista partes na fase pré-processual, porém, se faz necessário uma releitura de alguns pontos cruciais quanto à participação do defensor após a modificação do art. 7º, XXI do Estatuto da OAB, é direito do advogado:

assistir a seus clientes investigados durante a apuração de infrações, sob pena de nulidade absoluta do respectivo interrogatório ou depoimento e, subsequentemente, de todos os elementos investigatórios e probatórios dele decorrentes ou derivados, direta ou indiretamente, podendo, inclusive, no curso da respectiva apuração:

a) apresentar razões e quesitos;

            A redação legal apresenta dois pontos primordiais:

  1. Define a assistência do advogado em acompanhar os seus clientes investigados durante a apuração de infrações, o causídico tem o direito de estar presente no momento do interrogatório, depoimento e eventuais diligências as quais o seu cliente participe como por exemplo no caso da reconstituição de crimes (art. 7º do CPP), inclusive com eventual nulidade absoluta do feito e suas consequências, se não for observado este direito, caso ocorra à restrição do acompanhamento do defensor. A redação foi além e ainda incluiu os elementos investigatórios e probatórios derivados, aplicou-se de forma explicita teoria dos frutos da árvore envenenada.
  2. A autoridade responsável pela apuração deverá permitir a participação do advogado que representa a parte sem que ocorra prejuízo para a investigação, deixando-o apresentar razões e quesitos, esta atuação do defensor trará maior credibilidade para as diligências, que posteriormente estarão sob a análise  do Poder Judiciário, que exercerá o seu juízo de valoração de forma motivada, sob o critério do livre convencimento motivado, quanto às provas e elementos informativos colhidos na investigação, isto não quer dizer que a defesa deixará de apresentar seu questionamento sobre o que foi colhido no inquérito policial, durante o processo, momento adequado da aplicação do contraditório.

            A garantia do contraditório é formada pelo binômio reação-ciência, o que não é exercido de forma comissiva pelo investigado/indiciado, observando-se os apontamentos referidos anteriormente. Não podemos desvencilhar do fato de que no caso de eventual privação da liberdade, será aplicado todos direitos e garantias individuais inerentes aos ser humano, inclusive com a apresentação da nota de culpa ao defensor, determinação legal prevista no art. 306 do CPP, que consiste em dar conhecimento dos motivos da prisão imposta ao indivíduo colocado em custódia durante a fase investigatória por motivo de prisão em flagrante delito. Na prática, assim, que ocorrer a prisão em flagrante se o preso pedir para esperar o seu advogado para acompanhar a diligência o delegado terá que esperar, observando-se a razoabilidade da espera.           

            O investigado/ indiciado não pode ser tratado como mero objeto de investigação, sem ter direitos e garantias fundamentais respeitadas, o tema já era tratado pelo Supremo Tribunal Federal:

Trecho do Julgado “A unilateralidade das investigações preparatórias da ação penal não autoriza a Polícia Judiciária a desrespeitar as garantias jurídicas que assistem ao indiciado, que não mais pode ser considerado mero objeto de investigações. O indiciado é sujeito de direitos e dispõe de garantias, legais e constitucionais, cuja inobservância, pelos agentes do Estado, além de eventualmente induzir-lhes a responsabilidade penal por abuso de poder, pode gerar a absoluta desvalia das provas ilicitamente obtidas no curso da investigação policial”. HC 73271 / SP. Relator(a):  Min. CELSO DE MELLO. Julgamento: 19/03/1996.

            A última observação que se faz refere-se ao único inquérito que possui contraditório, o qual tem a finalidade da expulsão do estrangeiro, previsto nos arts.  65 a 75 L. 6.815/80 (Estatuto do Estrangeiro) e artigos 100 a 109 do Decreto 8.6715/1981.

6) Discricionário:

            A autoridade policial possui amplos poderes para realizar diligências de acordo com a conveniência e necessidade das investigações, buscando atingir o melhor resultado direcionado para a finalidade do inquérito: “buscar autoria e materialidade”, com a análise dos artigos 6º e 7º do CPP, que apresentam um rol de diligências a dispor do delegado.

            Tanto o indiciado quanto a vítima podem requerer diligências para a autoridade policial, nos termos do art. 14 do CPP: “O ofendido, ou seu representante legal, e o indiciado poderão requerer qualquer diligência, que será realizada, ou não, a juízo da autoridade” fica latente o entendimento de que a autoridade poderá ou não realizar as diligências de acordo com sua convicção, se a autoridade negar, poderá haver recurso administrativo para o superior hierárquico por analogia ao art. 5º, §2º do CPP, mas, não haverá nenhum remédio judicial a ser utilizado.

            O art. 7º, XXI, “a” do Estatuto da OAB, afirma que o advogado também poderá apresentar razões e quesitos, porém, esta alínea deve ser lida em conjunto com o art. 14 do CPP, com o seguinte entendimento: “as diligências continuam a ser realizadas de forma discricionária, em regra, e a defesa pode fazer apontamentos sobre elas, as quais serão recebidas pelo delegado, mas, somente, providenciará as diligências requeridas se achar oportuno”. 

A discricionariedade encontra mitigação:

  1. No exame de corpo de delito, quando a infração deixar vestígio;
  2. Nas requisições determinadas pelo Ministério Público e Magistrados de acordo com o art. 13, II do CPP: “Incumbirá ainda à autoridade policial: (omissis) II - realizar as diligências requisitadas pelo juiz ou pelo Ministério Público” e de forma específica no art. 54, II da Lei de Drogas:

Recebidos em juízo os autos do inquérito policial, de Comissão Parlamentar de Inquérito ou peças de informação, dar-se-á vista ao Ministério Público para, no prazo de 10 (dez) dias, adotar uma das seguintes providências: (omissis) II - requisitar às diligências que entender necessárias.

            Cabe ressaltar que requisição é ordem fundamentada na lei, não existe hierarquia entre juiz, Ministério Público e delegado, não podendo haver nenhuma arbitrariedade por parte destas autoridades em realizar requisições desprovidas de fundamento legal. Caso ocorra requisições ilegais a autoridade policial poderá fundamentar a sua negativa e oficiar o órgão que a requisitou.

7) Oficial:

            A investigação com apoio do aparato estatal é feita por órgãos oficiais, isto não impede que particulares realizem investigações e apresentam elementos diretamente ao Ministério Público, mas, a utilização do aparato estatal em busca de autoria e materialidade encontra-se sob o encargo de autoridades públicas. A regra é que a autoridade policial instaure o procedimento de ofício e quem preside o inquérito é o delegado de polícia de carreira nos termos do art. 144, §4º da CF:

Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos:

(omissis)

§ 4º Às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares.

            Este paragrafo deve estar combinado com o art. 2º caput e §1º da Lei 12.830/13:

Art. 2º: “As funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais exercidas pelo delegado de polícia são de natureza jurídica, essenciais e exclusivas de Estado”. § 1o  Ao delegado de polícia, na qualidade de autoridade policial, cabe a condução da investigação criminal por meio de inquérito policial ou outro procedimento previsto em lei, que tem como objetivo a apuração das circunstâncias, da materialidade e da autoria das infrações penais. 

            Quanto à presidência das investigações for feita por autoridade policial que em tese encontra-se em alguma situação descrita no art. 252 do CPP (impedimentos) ou art. 254 do CPP (suspeição), pergunta-se: “Pode ser alegada a suspeição ou impedimento da autoridade policial?”.

            Não existe a instauração de incidente processual de suspeição ou impedimento relacionado à autoridade policial, por outro lado, a autoridade poderá declarar-se suspeita nos termos do art. 107 do CPP: “Não se poderá opor suspeição às autoridades policiais nos atos do inquérito, mas deverão elas declarar-se suspeitas, quando ocorrer motivo legal”.

            Se a autoridade se recusar a declarar-se suspeita, pode a parte interessada fazer requerimento para o superior hierárquico solicitando a avocação ou redistribuição, desde que exista interesse público, só podendo ocorrer o deferimento do pedido se o ato estiver fundamentado, art. 2º, §4º:

O inquérito policial ou outro procedimento previsto em lei em curso somente poderá ser avocado ou redistribuído por superior hierárquico, mediante despacho fundamentado, por motivo de interesse público ou nas hipóteses de inobservância dos procedimentos previstos em regulamento da corporação que prejudique a eficácia da investigação.

8) Unidirecional:

           

            Não pode à autoridade policial emitir nenhum juízo de valor na apuração dos fatos, como, por exemplo, que o indiciado agiu em legítima defesa ou movido por violenta emoção ao cometer o homicídio, de acordo com o entendimento de Paulo Rangel (2014, p. 97).

            Apesar da nobre opinião doutrinária apresentada, entende-se neste artigo de forma diversa. A autoridade policial deve emitir juízo sobre eventuais causas excludente de ilicitude e culpabilidade, a fim de fazer com que o inquérito sirva não apenas para subsidiar eventual peça acusatória, mas, para levantar hipóteses que poderão ser devidamente trabalhadas pela defesa durante a instrução processual, com a finalidade de assegurar maior credibilidade jurídica ao procedimento do inquérito, o delegado é autoridade pública que deve agir de forma imparcial e servir à justiça sem, praticar atos que atendam apenas ao interesse de uma das eventuais partes.

            Não existe polêmica quanto ao juízo de tipicidade, emitido pela autoridade, que se faz necessário para guiar suas investigações, pois, é na avaliação da tipicidade que se define a pena em abstrato, o que consequentemente influencia diretamente em alguns institutos aplicados na fase de investigação, como por exemplo: a) Fiança; b) Lavratura de Termo Circunstanciado de Ocorrência; c) Representação por Prisão Preventiva e Temporária, dentre outros. De forma excepcional existe a determinação do art. 52, I da Lei de Drogas:

Art. 52.  Findos os prazos a que se refere o art. 51 desta Lei, a autoridade de polícia judiciária, remetendo os autos do inquérito ao juízo: I - relatará sumariamente as circunstâncias do fato, justificando as razões que a levaram à classificação do delito, indicando a quantidade e natureza da substância ou do produto apreendido, o local e as condições em que se desenvolveu a ação criminosa, as circunstâncias da prisão, a conduta, a qualificação e os antecedentes do agente.

            Neste caso em apreço é necessário que o relatório da autoridade policial apresente maiores detalhes, para poder definir a capitulação no crime de posse de drogas para uso próprio (art. 28, Lei. 11.343/06) ou tráfico de drogas (art. 33, Lei 11.343/06).

Considerações Finais.

            As características do inquérito policial delineiam suas diferenças com a instrução processual penal e demonstram suas respectivas semelhanças com este, pois, na fase investigatória não há processo de forma propriamente dita, portanto, as peculiaridades do inquérito devem ser observadas para que este não se torne um processo criminal anterior ao inicio da ação penal, fazendo com que a justiça criminal fique ainda mais lenta, distanciando-se do principio da eficiência.

            O inquérito policial é ferramenta do Estado, para assegurar à efetiva e hígida persecução penal, pois, tem a função de buscar autoria e materialidade para subsidiar com o elemento “justa causa” a exordial acusatória do titular da ação penal e por outro lado assegurar direitos e garantias individuais, evitando que inocentes tenham que se apresentar no polo passivo de um indevido processo penal.

Referências Bibliográficas.

AVENA, Norberto Pâncaro. Processo Penal Esquematizado, 6ª edição. Método, 02/2014.

CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: legislação penal especial, v. 4. 7ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2012.

RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal. 22ª Ed. São Paulo: Atlas, 2014.

MARCÃO, Renato. Curso de Processo Penal. São Paulo: Saraiva, 2014.

TÁVORA, Nestor; ALENCAR, Rosmar Rodrigues. Curso de Direito Processual Penal. 9ª Ed. Salvador: Juspodivm, 2014.

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Sobre o autor
Felipe Ghiraldelli

Professor de Processo Penal da UNIFEG; Aprovado no concurso de Delegado da Polícia Civil da Bahia, Pós graduado em Direito Penal e Processo Penal, Coach do Canal Carreiras Policiais

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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