A mera recusa ao teste do etilômetro não configura embriguez

17/09/2015 às 22:54
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Em recente decisão a 3ª Turma do Tribunal Regional Federal 4ª Região considerou que a simples recusa ao teste do etilômetro não configura a infração de trânsito de embriaguez ao volante (art. 277, § 3º do CTB).

A recente decisão da 3ª Turma do Tribunal Regional Federal/4ª Região, no sentido de desconsiderar a simples recusa ao teste do etilômetro como elemento apto a caracterizar a infração de trânsito de embriguez ao volante lança luz sobre algumas questões estruturantes no ordenamento jurídico pátrio.

A discussão não é nova, mas não se pode deixar de mencionar que o cerne dessa inflexão reside na contraposição de duas garantias constitucionais, quais sejam, a da não autoincriminação e a da segurança da coletividade ou simplesmente da segurança pública pela perspectiva do trânsito. A origem das respectivas garantias e até mesmo o espectro de proteção que ambas deferem poderiam responder bem a questão.

A garantia de não autoincriminação tem sua origem no Pacto de San José da Costa Rica (Convenção Americana sobre Direitos Humanos), de 22 de novembro de 1969. Apesar de ser tão antiga, sua internalização no ordenamento jurídico brasileiro ocorreu a partir de Decreto nº 678/92. Nessa época, segundo a jurisprudência do STF acerca da hierarquia dos Tratados de Direitos Humanos indicava que o status seria de lei ordinária. O status constitucional viria mais tarde, em 2003 com a EC 45.

Contudo, as regras de interpretação das normas que versam sobre direitos humanos possuem mecanismos distintos das regras da hierarquia, da especialidade, da lei posterior, entre outras. Quando há um conflito entre uma lei e um tratado internacional, na seara de direitos humanos, que parece ser o caso, há uma técnica interpretativa denominada pro homine, onde prevalece a norma que defira maior grau de proteção. No caso em tela o que se tem é um conflito entre uma garantia individual e uma garantia coletiva. Tendo em vista que a Segurança da Coletividade, que visa, sobretudo, a proteger a vida, é norma que apresenta maior espectro de proteção, essa deveria sobrepor aquela.

Por essa lógica a recusa sequer deveria ser admitida, mas o que temos é uma legislação que desde a primeira modificação com a Medida Provisória nº 405/2007, não conseguiu convencer o Poder Judiciário da importância de se punir motoristas que dirigem embriagados como uma das formas de se ter um trânsito seguro.

Vencida a questão sobre qual norma deveria ser observada, resta o ponto em que o TRF4 apoia sua decisão, qual seja, a ideia de que a simples recusa não caracteriza a conduta típica de embriaguez. Apesar de muitos operadores terem afirmado que nada muda, o fato é que tal decisão afeta a fiscalização e esvazia o conteúdo do § 3º, do art. 277 do CTB. Não obstante o impacto na coercibilidade da norma, assiste razão à egrégia corte in casu. O dispositivo assevera:

Art. 277. O condutor de veículo automotor envolvido em acidente de trânsito ou que for alvo de fiscalização de trânsito poderá ser submetido a teste, exame clínico, perícia ou outro procedimento que, por meios técnicos ou científicos, na forma disciplinada pelo Contran, permita certificar influência de álcool ou outra substância psicoativa que determine dependência.

(…)

§ 3o Serão aplicadas as penalidades e medidas administrativas estabelecidas no art. 165 deste Código ao condutor que se recusar a se submeter a qualquer dos procedimentos previstos no caput deste artigo.

Ao analisar os dispositivos que regulamentam a fiscalização da embriaguez ao volante pode-se chegar a uma sistemática que possui uma lógica que deveria ser mais bem observada. O sistema é formado pelos artigos 165, 277 do CTB e pelos artigos 5º e 6º da Resolução nº 432/2013 CONTRAN. A análise especificamente do art. 5º, II, § 1º, da mencionada resolução permite constatar que o legislador exigiu um conjunto de medidas e não somente considerar a recusa como elemento apto a caracterizar a infração de trânsito. Além disso, o parágrafo 2º do mesmo inciso indica a forma como deve ser preenchido o auto de infração e itens constantes do anexo II, da mesma resolução, conforme se pode inferir in verbis:

Art. 5º Os sinais de alteração da capacidade psicomotora poderão ser verificados por:

(...)

II – constatação, pelo agente da Autoridade de Trânsito, dos sinais de alteração da capacidade psicomotora nos termos do Anexo II.

§ 1º Para confirmação da alteração da capacidade psicomotora pelo agente da Autoridade de Trânsito, deverá ser considerado não somente um sinal, mas um conjunto de sinais que comprovem a situação do condutor. (grifo nosso).

§ 2º Os sinais de alteração da capacidade psicomotora de que trata o inciso II deverão ser descritos no auto de infração ou em termo específico que contenha as informações mínimas indicadas no Anexo II, o qual deverá acompanhar o auto de infração.

É preciso destacar que se está aqui a tratar de direito sancionador, onde deve prevalecer a legalidade estrita. Nessa seara prevalece o Princípio da Presunção de Inocência ou da Não Culpa. Portando, a inversão proposta pelo legislador de trânsito no art. 277, §3º do CTB, mostra-se violadora de tal princípio e passível de nulidade, conforme decisão proferida pelo TRF4.

Uma análise diagnóstica entre os dispositivos que estruturam o sistema legal que sanciona a conduta de embriaguez ao volante mostra que há uma incongruência entre o texto do parágrafo 3º do artigo 277 e o contido no § 2º, II do artigo 5º, da Resolução 432/2013/CONTRAN. Enquanto o dispositivo do CTB fala em "recusa a qualquer dos procedimentos", indicando a possibilidade de deflagrar as sanções do art. 165 do mesmo diploma a partir da violação de apenas um dos procedimentos, no caso, submeter-se ao teste do etilômetro, o texto da resolução menciona a necessidade de observar "um conjunto de sinais".

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Para a afastar a eficácia paralisante da presunção de não culpa, o agente deve realizar diligência, preencher relatórios, que indiquem um contexto fático próprio dos órgãos de fiscalização que buscam indícios para fazer prova da falta de condições de dirigir. Por fim, caso o agente não encontre qualquer dos indícios elencados no anexo II, o melhor entendimento, e parece ter sido corroborado pelo tribunal, é no sentido de liberar o condutor, pois houve provas de que possui condições de dirigir.

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Sobre o autor
André Azevedo

Servidor Público Federal, bacharel em Direito pela Faculdade da Cidade, no Rio de Janeiro. Especialista em Direito Administrativo, Constitucional e Gestão Pública, pela Universidade Gama Filho.

Informações sobre o texto

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