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Flexibilização trabalhista: um estudo sobre a crise econômica e a suspensão do contrato de trabalho

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29/01/2014 às 10:45
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4. A INCOMPATIBILIDADE ENTRE OS PRINCÍPIOS DO DIREITO DO TRABALHO E A SUSPENSÃO NEGOCIADA

A suspensão negociada tende a contrapor-se ao princípio básico de proteção ao empregado por pregar a idéia de que a pobreza do trabalhador seria essencial para o desenvolvimento e para a ampliação de lucro das empresas. Na prática o empregado é constrangido a se afastar do trabalho e é obrigado a deixar de receber sua remuneração normal, que é substituída por um valor menor; proporcional ao do seguro desemprego. Há uma progressiva redução de direitos onde a empresa fica dispensada dos recolhimentos previdenciários, o que impede o cômputo desse período como tempo de serviço para efeito de aposentadoria.

A referida suspensão, também, é incompatível com o princípio da indisponibilidade dos direitos trabalhistas, por ser uma concreta demonstração de que o trabalhador é “forçado” a renunciar seus direitos através dos ACT’s ou das CCT’s, que na maioria das vezes não estabelecem a vontade dos mesmos. Não há opção, se a negociação coletiva autoriza a suspensão e sua conseqüente supressão de direitos, tal supressão irá ocorrer; em suma, o sindicato renuncia direitos em nome do trabalhador. Não obstante, as entidades representativas e responsáveis pela defesa de interesses comuns dos trabalhadores ajudam a legitimar uma redução de direitos, provocando um aumento na taxa de dominação com a respectiva fragmentação da classe operária.

Mesmo se a suspensão para qualificação profissional solucionasse a crise econômica, tal solução não compensaria as agressões financeiras e psicológicas provocadas aos trabalhadores. A diminuição do poder aquisitivo dos empregados reduz o consumo e a circulação de capital. Se o consumo cai e a produção diminui, os empresários também deixarão de auferir lucro; o que nos faz crer que essa não é uma saída para a crise econômica e o desemprego.

Se houvesse respeito aos princípios específicos do ramo juslaboral e se a ciência jurídica estivesse realmente estruturada em torno da efetivação de interesses sociais, protegeria -se os sujeitos de direitos de um Estado Democrático e nem de longe se cogitaria uma modalidade de flexibilização tão degradante como a suspensão contratual.


5. CONSTITUIÇÃO E SUSPENSÃO CONTRATUAL

 A ordem social deve ter por base o primado do trabalho, objetivando o bem-estar e a justiça social, conforme dispõe o artigo 193 da CR/88. A Constituição é o ápice de toda a hierarquia normativa que objetiva fundamentalmente construir uma sociedade livre, justa e solidária; garantir o desenvolvimento nacional; erradicar a pobreza, a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais. (Art.3º da CR).

Para que haja o cumprimento dos fundamentos estatuídos no artigo 1º da carta magna, quais seja, a cidadania, a dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; há de se ter um respeito pelo Direito do Trabalho, entendido pela hermenêutica contemporânea como um instrumento na busca por justiça social.

A flexibilização nega valores aos trabalhadores que se vêem obrigados a acatar as precarizações, ora geradas pela lei, ora geradas pelo consentimento dos sindicatos que realizam negociações prejudiciais.

Objetiva-se demonstrar que a suspensão negociada do contrato de trabalho é uma forte medida flexibilizadora incompatível com o modelo de Estado Democrático de Direito. O ordenamento jurídico deve manter coerência com as necessidades do campo social promovendo uma ampliação de direitos e não a precarização e supressão dos mesmos. Toda mitigação de direitos garantidos constitucionalmente fere o princípio da proibição do retrocesso social. Conforme se vislumbra na definição de Canotilho, tal princípio não admite supressões sem que haja mecanismo substituto equivalente ou até mesmo ampliativo do direito suprimido:

A idéia aqui expressa também tem sido designada como proibição de contra-revolução social ou da evolução reacionária. Com isto quer dizer-se que os direitos sociais e econômicos (ex. :direito dos trabalhadores, direito à assistência, direito à educação) uma vez obtido um determinado grau de realização, passam a constituir, simultaneamente, uma garantia institucional e um direito subjetivo. A “proibição do retrocesso social” nada pode fazer contra as recessões e crises econômicas (reversibilidade fática), mas o princípio em análise limita a reversibilidade dos direitos adquiridos (ex.: segurança social, subsídio de desemprego, prestações de saúde), em clara violação do princípio da proteção da confiança e da segurança dos cidadãos no âmbito econômico, social e cultural, e do núcleo essencial da existência mínima inerente ao respeito pela dignidade da pessoa humana. [...] O princípio da proibição do retrocesso social pode formular-se assim: o núcleo essencial dos direitos sociais já realizado e efetivado através de medidas legislativas (“lei da segurança social”, “lei do subsídio de desemprego”, “lei do serviço de saúde”) deve considerar-se constitucionalmente garantido, sendo inconstitucionais quaisquer medidas estaduais que, sem a criação de outros esquemas alternativos ou compensatórios, se traduzem na prática, numa “anulação”, “revogação” ou “aniquilação” pura e simples desse núcleo essencial. Não se trata, pois, de proibir um retrocesso social captado em termos ideológicos ou formulado em termos gerais ou garantir em abstrato um status quo social, mas de proteger direitos fundamentais sociais sobretudo no seu núcleo essencial. (CANOTILHO, 2003, p.338)

O que devemos fazer é repensar e priorizar os direitos sociais, deixar de enxergá-los como um obstáculo para o crescimento da economia do país. Os donos dos meios de produção deveriam ser os primeiros a contribuir para a formação de uma efetiva justiça social. Talvez essa contribuição pudesse se iniciar pelo cumprimento de uma das características do contrato de trabalho; a alteridade. Se o empregador deixasse de repassar os riscos de seu empreendimento para o trabalhador já seria um grande começo, pois, sabemos que a crise financeira de qualquer empresa prejudica o trabalhador, seja através da suspensão negociada, seja através da redução salarial com a participação do sindicato ou através de outras formas de flexibilização.

A suspensão para qualificação profissional e as demais modalidades de flexibilização, se traduzem em retrocesso e insegurança jurídica para o trabalhador; “o desemprego não pode ser fundamento para se transforme o direito do trabalho, no direito ao trabalho, sem se ter em conta a dignidade que este trabalho, dado ao trabalhador como “dádiva” do Estado e do poder econômico, reserva a este mesmo trabalhador”.  (SOUTO MAIOR, 2.000, p.269)

Apesar do reconhecimento e da universalização do princípio da dignidade da pessoa humana, não há aplicabilidade para o mesmo. Percebe-se um rápido processo de desconstitucionalização como conseqüência do próprio sistema globalizador; aniquilam-se direitos em prol da economia de mercado e justifica-se a supressão da dignidade do trabalhador na necessidade de ampliar postos de trabalho.  A dignidade é excluída e substituída pela flexibilização.

O crescimento econômico deve preservar o sentido da vida e respeitar a dignidade do trabalhador, pois a desvalorização promovida pela globalização é incompatível com os princípios e valores estabelecidos pela Constituição.


6. CONCLUSÃO

Flexibilizar direitos é um raciocínio puramente econômico, destoado dos princípios que orientam o Direito do Trabalho. A lei muitas vezes atende a reclamos de natureza econômica, mas é praticamente impossível que estes prevaleçam sobre aspectos jurídicos, principalmente se estes aspectos forem Constitucionais.

Os direitos de 4ª geração não estão cumprindo sua principal finalidade, proteger a existência humana e promover garantias contra a globalização desenfreada. Devem existir garantias sócio-estatais dentro do processo de mundialização da economia. Por conseguinte, o trabalhador não tem o direito apenas de manter o seu emprego, ele tem direito de ter mais dignidade na relação de trabalho, afinal de contas, antes de ser trabalhador, se é cidadão com direitos teoricamente estatuídos por um Estado que se diz ser Democrático de Direito.

São encontrados os mais variados argumentos na tentativa de justificar a necessidade de precarização das relações de trabalho, mas nenhum deles é considerado consistente do ponto de vista da hermenêutica contemporânea. Interpretar é reconstruir dentro de um contexto se comprometendo com a realidade, sendo que toda hermenêutica jurídica, deve necessariamente estar embasada em um Estado Democrático.

Toda a precarização abordada anteriormente é gerada por um mercado que não é capaz de manter-se em equilíbrio sem a necessidade da intervenção do Estado. Esta intervenção, entretanto, deve ser feita com responsabilidade para promover não só o equilíbrio econômico, mas também o equilíbrio social e legitimar o reconhecimento de direitos fundamentais implícitos e explícitos na Constituição da República de 1998.

Conclui-se que são inconstitucionais, a suspensão negociada e as demais formas de flexibilização que provocam a evidente desproteção do trabalhador e a eliminação de direitos conquistados pelo mesmo. A flexibilização retira direitos e ignora os princípios da proteção, da dignidade da pessoa humana e o princípio da proibição do retrocesso social. Aos trabalhadores restam apenas duas opções: conviver com as injustiças e as desigualdades proporcionadas pela flexibilização das normas trabalhistas, ou, resistir individual e coletivamente a tais alterações, lutando por um direito rígido e forte.


ABSTRACT: The article deals with the suspension of the employment contract negotiated as a way of contract flexibly based on elimination of costs for companies. It shows through a critical procedure that labor flexibilization is incompatible with the principles of the specific branch juslaboral as well as the guidelines and bases principles, drawn by the Constitution. Through a legal-sociological analysis notes that the suspension of the employment contract is an attack on labor guarantees, the legal system and the Social State can not be considered as a way out of economic crisis and unemployment. The research demonstrated the need to redeem the character and the central function of protective labor law with the consequent improvement of conditions of agreement in the economic order, seeking a balance in income distribution and the creation of an effective minimum level of civilization. The results show that the suspension negotiated is not able to fulfill their goals, preserving and effective the dignity of the worker. It is not possible to conceive of the precariousness of acquired in return for so many struggles against the principle of prohibition of social retrocess, basic assumption for the existence of a democratic State of Law. It is shown through this study that the development of the economy must necessarily be tied to the principles of good faith and social justice, as stated in article 170 from the Constitution. The methodology used for the production of the work is literature, starting from analysis of legal, sociological and dialectical reasoning.

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Keywords: Suspension traded. Flexibilization. Principles. Precariousness. Democratic State of Law.

LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS

BQP- Bolsa para Qualificação Profissional.

ACT’s – Acordos Coletivos de Trabalho.

CCT’s – Convenções Coletivas de Trabalho.

CLT - Consolidação das Leis do Trabalho.

CNPq – Conselho Nacional de Pesquisa e Tecnologia.

CR- Constituição da República.

FAT – Fundo de Amparo ao Trabalhador.

FGTS – Fundo de Garantia por Tempo de Serviço.

INSS - Instituto Nacional de Seguridade Social.

MP – Medida Provisória.

N. – número.

OIT – Organização Internacional do Trabalho.

PASEP- Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público.

PIBIC – Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica.

PIS- Programa de Integração Social.


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Sobre a autora
Gabriela de Campos Sena

Mestranda em Direito pela UFMG. Graduada em Direito pela PUC MINAS. Advogada.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SENA, Gabriela Campos. Flexibilização trabalhista: um estudo sobre a crise econômica e a suspensão do contrato de trabalho. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3864, 29 jan. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/26537. Acesso em: 19 mai. 2024.

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