Liberdade de crença e o Estado Democrático de Direito

Leia nesta página:

Em tempos calorosos sobre liberdade de crença, no Brasil, o presente artigo.

O artigo abordará:

  1. Culto religioso e tranquilidade sonora;

  2. Ação policial diante de reclamação de perturbação do sossego;

  3. Uso de logradouro público para culto;

  4. Liberdade de crença e dignidade humana;

  5. Liberdade de crença e imunidade parlamentar.

1. Culto religioso e tranquilidade sonora

A tranquilidade sonora, isto é, o direito de não ser prejudicado em sua saúde, encontra proteção no ordenamento jurídico pátrio. A LEI Nº 6.938, DE 31 DE AGOSTO DE 1981, em sua norma do Art. 3º, III, “a”. A poluição pode ocorrer na atmosfera, na água, no solo. Em qualquer parte, isto é, atmosfera, água, solo, as consequências. Poluição na água pode afetar a qualidade do ar e do solo. Por exemplo, produtos químicos lançados na água são absorvidos pelo solo. Um dos maiores aquíferos deste planeta é o brasileiro. A contaminação dos solos freáticos é o resultado. A água contaminada. A água evapora e os poluentes são liberados na atmosfera.

Estudos demonstram que a poluição sonora afeta a saúde orgânica (1). À questão da poluição sonora é uma preocupação de relevância de saúde pública. Nas metrópoles, muitos cidadãos pensam que pelo direito de propriedade podem fazer como bem-quiserem. Na pandemia de 2020, por ação do vírus da Covid-19, reclamações foram feitas contra a perturbação do sossego.

Alguns cultos religiosos são praticados sem a menor consideração com a saúde pública. Alguns cultos são promovidos nos finais de semana, quando os moradores acordam um pouco mais tarde quando comparado com o acordar durante a semana. Cada ente federativo possui legislação sobre os limites legais para o volume sonoro. Existe Projeto de Lei (2) para unificar o volume máximo para os cultos, missas e celebrações religiosas. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), a definição de saúde é “um estado de completo bem-estar físico, mental e social, e não apenas como a ausência de doença ou enfermidade”.

2. Ação policial diante de reclamação de perturbação do sossego

A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CRFB de 1988), na norma do Art. 144, estabelece competências e atribuições das instituições policiais no Brasil. No caso de poluição sonora, a qual é comprometimento da saúde humana, a competência para cessar o comprometimento da saúde humana é da Polícia Militar (PM). Cabe a PM restabelecer a ordem e o respeito aos direitos dos cidadãos violados em seus direito à saúde.

E como a PM deve atuar? Pensar na interrupção abrupta do culto religioso pode configurar abuso de autoridade. A PM deve agir nos limites da lei e respeitar os direitos constitucionais. Não pode a PM simplesmente receber reclamação de cidadão sobre perturbação do sossego, ir ao local da (suposta) infração penal e cessar logo o culto. Deve a PM avaliar a situação, isto é, a gravidade da perturbação e a intervenção imediata. A intervenção policial deve ser pela proporcionalidade e pela razoabilidade na situação presenciada. Na proporcionalidade, a ação da PM deve avaliar a gravidade da perturbação, o risco para a segurança pública, tudo para alcançar os objetivos desejados: a liberdade de crença, pelo culto; o direito à saúde, representado pela não perturbação do sossego (interesse público). Assim, uma advertência, verbal, para cessar a perturbação social, pelo excesso de som, seja por caixas de som, pelo cantarolar, etc. A mediação policial também é importante para garantir o direito de liberdade de crença e o direito ao sossego (saúde pública pelo não extrapolar dos decibéis). Somente em caso de extremo desrespeito, por parte de quem promove o culto, a polícia está autorizada a intervenção direta, o encerramento do culto.

3. Uso de logradouro público para culto

O logradouro público compreende ruas, avenidas, praças, parques, calçadas. Pelo Código de Trânsito Brasileiro — CTB (LEI n.º 9.503, DE 23 DE SETEMBRO DE 1997), em seu Anexo I, a definição de “via”:

VIA - superfície por onde transitam veículos, pessoas e animais, compreendendo a pista, a calçada, o acostamento, ilha e canteiro central.

Ainda no Código de Trânsito Brasileiro — CTB (LEI n.º 9.503, DE 23 DE SETEMBRO DE 1997):

CIRCULAÇÃO - movimentação de pessoas, animais e veículos em deslocamento, conduzidos ou não, em vias públicas ou privadas abertas ao público e de uso coletivo.       (Incluído pela Lei nº 14.229, de 2021)

TRÂNSITO - movimentação e imobilização de veículos, pessoas e animais nas vias terrestres.

Durante culto em logradouro público é necessário observar o respeito ao espaço público. O direito de ir e vir deve ser observado, pois não se pode obstrui-los. A manutenção da limpeza local não pode ser negligenciada pelas pessoas que exercem o culto. Se há distribuições de alimentos, os responsáveis pelo culto devem providenciar a manutenção da limpeza local. É recomendado, pela consideração com os moradores locais, o comunicar à comunidade local sobre o evento religioso. Temos, expressamente, na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CRFB de 1988), a norma do Art. 3º:

I - construir uma sociedade livre, justa e solidária;

A solidariedade é representada pelo interesse público. Cada cidadão e cada cidadã deve se pautar na sua existência, sem se desvincular das demais existências, ou seja, de outros seres humanos. A vida social exige, mesmo pelas diferentes comunidades existentes na sociedade brasileira, cooperação, respeito, consideração, tolerância. Das diversas comunidades e de suas diversas ideologias, o Direito deve agir para garantir o mínimo de segurança e paz social. O Estado é laico, mas protege o direito e a liberdade de crença. Da mesma forma, o Estado protege quem quer se ateu, agnóstico. Protege, também, o Estado, o direito à saúde, à paz social. Existem diversas normas jurídicas para a vida social, desde segurança alimentar, liberdade de expressão, liberdade de crença, fornecimento de serviço e produtos, até relações interpessoais como a proteção do Estado contra violência doméstica, danos morais em família. Disso tudo, o direito de culto, em logradouro público, também deve obedecer normas jurídicas dos entes federados. Por exemplo, durante a pandemia em 2020, pelo vírus da Covid-19, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu pela proibição de liberação de cultos e missas na pandemia. Mas deixou cada ente decidir pela proibição ou não de cultos religiosos. Entre a liberdade de culto e a saúde pública, o interesse público foi a saúde pública. Por mais que calorosas produções de “fake news”, por agentes públicos e não agentes públicos, fomentassem ideias de que o “comunismo” estava agindo contra a democracia, no sentido de restringir ou acabar com a de liberdade de crença, a maioria do povo brasileiro compreendeu a gravidade da pandemia, as mortes. Importante, para compreensão. A liberdade de crença refere-se ao direito fundamental de cada cidadão ter sua própria convicção religiosa, ou mesmo não ter crença religiosa. A liberdade de culto, o direito de praticar e manifestar as crenças de forma individual ou coletiva, em local público ou privado. Diferentemente da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CRFB de 1988), na Constituição de 1824 os demais cultos, isto é, não da Igreja Católica Apostólica Romana, poderiam ser celebrados somente em locais fechados. Era a imposição do Estado na época.

3. Liberdade de crença e dignidade humana

Desde a redemocratização, no Brasil, mudanças ocorreram, por força normativa da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CRFB de 1988). Porém, não pela força normativa da CRFB de 1988, mas pelo novo entendimento da força e aplicabilidade da Constituição Federal. Pela Teoria Pura do Direito, de Hans Kelsen, a Constituição é o documento máximo do ordenamento jurídico do Estado. Na “pirâmide normativa”, está a norma fundamental, a Constituição. É a Constituição que confere e garante validade as outras normas (infraconstitucionais). Caso as normas infraconstitucionais estejam em desacordo com a hierarquicamente superior, a Constituição Federal, a inconstitucionalidade. A norma infraconstitucional perde a sua aplicabilidade. Ou nasce inconstitucional, em seu processo de formação. A Teoria Pura do Direito foi desenvolvida, por Kelsen, no início do século XX.

Uma nova teoria surgiu, nas últimas décadas do século XX, sobre a Constituição. O Neoconstitucionalismo. Nessa nova teoria, o núcleo constitucional deve ser a proteção dos direitos fundamentais, de forma mais ampla possível. Além da ampliação da interpretação da constitucional para proteção dos direitos fundamentais, a proteção também deve ser dinâmica. A palavra “dinâmica” deve ser interpretada como mudanças: sociais; políticas; econômicas; culturais. Por exemplo, a união homoafetiva. Para proteger os direitos fundamentais dos [Lésbicas; Gays; Bissexuais; Transexuais, Transgêneros, Travestis; Queer; Intersexo; Assexual; Pansexualidade; “+”: Demais orientações sexuais e identidades de gênero. (LGBTQIAP+)], no tocante aos direitos civis, o Supremo Tribunal Federal (STF) considerou que a união homoafetiva é inerente à condição humana, o afeto. Sem liberdade individual, não há dignidade. E é o que ocorria, antes da decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), quando o Estado cerceava a liberdade, a dignidade e a igualdade para os seres humanos LGBTQIAP+, quando comparado com a liberdade, dignidade e igualdade entre os heterossexuais em casarem ou não.

5. Liberdade de crença e imunidade parlamentar

A liberdade de crença pressupõe a liberdade de expressão. O direito de proferir, em público ou não, a própria crença é assegurado pela CRFB de 1988. Pode-se, então, dizer que a imunidade parlamentar é absoluta?

Faço comparação com o Inquérito (INQ) 4781. Esse inquérito foi instaurado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) para investigar “fake news” contra o próprio Supremo Tribunal Federal (STF) . em breve comentário deste autor, não podemos nos esquecer dos fogos de artifícios lançados sobre o prédio do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF) — Liberdade de expressão. Fogos de artifícios sobre o STF - Jus.com.br | Jus Navigandi.

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O Supremo Tribunal Federal (STF) , melhor, um dos poderes da República sofria ataques dentro e fora dos outros poderes; as redes sociais serviram como dinamizadores de ódios aos ministros do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF). A maioria doa ataques era pelas decisões, constramajorítárias, do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF). O fenômeno "backlash" é estudado pelos doutrinadores de Direito e reconhecido o fenômeno pelos ministros do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF). Restou aos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e a própria instituição democrática a autodefesa perante a pérfida trama entre Executivo e Legislativo.

Com o "inquérito das fake news" [Inquérito (INQ) 4781], como possível resultado, houve a "CPI das Fake News", pela Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) . Na CPI ficou comprovado um esquema, perverso, contra o Estado Democrático de Direito. O uso, sistêmico de ataques, pelas redes sociais, impulsinados pels "bots" — programação para executar determinadas tarefas. Os "bots" são automatizados, ou seja, atuam por conta própria, sem que um usuário humano precise iniciá-los manualmente a cada vez —, geraram desconfianças na (frágil) democracia brasileira. Essas desconfianças, claro, eram para favorecer o movimento "backlash".

Percebe-se que a liberdade de expressão não é absoluta quando resulta, a liberdade, em verdadeiro ataque, e não simples discordância pelo "backlash". igualmente, a liberdade de expressão, pela liberdade de crença, não é admissível na democracia atual, esta regida pela dignidade humana. Qualquer liberdade de expressão, pela liberdade de crença, deve ser repelida, condenada pelo Estado Democrático de Direito. O Supremo Tribunal Federal (STF) considerou e reconheceu, por omissão do Congresso Nacional, os crimes de homofobia e transfobia. Até que o Congresso Nacional edite uma lei específica sobre o assunto, as condutas homofóbicas e transfóbicas se enquadram na tipificação da Lei do Racismo (Lei 7.716/1989).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Não há de se falar em "ditadura do Judiciário (STF)", quando este poder, republicano, defende a dignidade humana, principalmente das "minorias" — povos indígenas, LGBTQI+, pessoas com necessidades especiais, mulheres cisgênero, religiosos de diversas crenças não da tradição judaico-cristã, quilombolas, etnia negra —, quando a "maioria" deseja implantar verdadeira "Ditadura da Maioria": radicais fundamentalistas da tradição judaico-cristã (casamento somente entre heterossexuais, pátrio poder, Estado confessional de tradição judaico-cristã); "sangue azul"; supremacistas brancos; eugenistas (pseudociência eugenia, que teve presente na Constituição de 1937); defensores da liberdade econômica “Venda o seu rim para sobreviver” ou “Podemos nos unir (empresariado). Os trabalhadores, jamais (sem sindicatos)”.

A liberdade de expressão, contra o Estado Democrático de Direito e contra a dignidade das "minorias", seja a liberdade de expressão com ou sem vínculo com a liberdade de crença, não pode e não deve ser tolerada pelas pessoas livres e convictas das liberdades individuais. Verdadeira ditadura é quando a liberdade de expressão é invocada, defendida contra a democracia. Não a democracia anterior a Segunda Guerra Mundial, cujas normas garantiam violações das dignidades das "minorias", muito menos a democracia pós Segunda Guerra Mundial, até a segunda metade do século XX, a qual também garantiu violações das dignidades das “minorias”. A “Nova Ordem Mundial” é a “Nova Democracia”, do século XXI. A “Nova Democracia” é pautada na prevalência da dignidade humana, da proteção internacional dos direitos humanos sejam em países-membros, países que são signatários de tratados internacionais de direitos humanos, ou países não membros, países que não são signatários de tratados internacionais de direitos humanos.

NOTAS:

(1) — BBC BRASIL. Como poluição sonora pode prejudicar seu coração. Disponível em: Como poluição sonora pode prejudicar seu coração - BBC News Brasil

(2) — BRASIL. Senado Federal. Limite de emissão sonora de templos pode ser regulamentado pelo Congresso. Disponível em: Limite de emissão sonora de templos pode ser regulamentado pelo Congresso — Senado Notícias

REFERÊNCIA:

BRASIL. Ministério Público de Pernambuco. Ação Policial Disponível em: https://siteantigo2.mppe.mp.br/mppe/attachments/article/1807/Cartilha%20Polui%C3%A7%C3%A3o%20Sonora.doc

Sobre o autor
Sérgio Henrique da Silva Pereira

Articulista/colunista nos sites: Academia Brasileira de Direito (ABDIR), Âmbito Jurídico, Conteúdo Jurídico, Editora JC, Governet Editora [Revista Governet – A Revista do Administrador Público], JusBrasil, JusNavigandi, JurisWay, Portal Educação, Revista do Portal Jurídico Investidura. Participação na Rádio Justiça. Podcast SHSPJORNAL

Informações sobre o texto

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