Direito criminal no contexto das relações internacionais

22/03/2024 às 19:06
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DIREITO CRIMINAL NO CONTEXTO DAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS

Uma análise da influência dos avanços do direito criminal em perspectiva global nas relações internacionais

RESUMO

Os avanços do direito criminal contemporâneo em perspectiva global são resultados de uma sociedade cada vez mais globalizada e interligada. Com base nesta realidade, o presente estudo propõe uma análise da influência deste crescente avanço nas relações internacionais. Para tal, fez-se uso metodológico da abordagem qualitativa de pesquisa pautada em procedimentos bibliográficos e documentais que dispõe sobre o tema em análise. Foram estabelecidas as particularidades e respectivas áreas de atuação do Direito Penal Internacional, assim como ao Direito Internacional Penal, a fim de compreender os reflexos do seu crescente desenvolvimento nas relações internacional. Demonstrou-se, em síntese, que os avanços internacionais em matéria criminal influenciam diretamente as relações internacionais por exigirem cooperação entre Estados para alçar seu objetivo fim de atuar em prol do bem comum, seja no combate aos crimes transnacionais ou na busca por dirimir a impunidade em condutadas que violam os valores humanos em que se apoiam a sociedade internacional . Esta cooperação nem sempre é facilmente conferida, como exemplo pode-se mencionar a resistência diversos Estados em aceitar a jurisdição internacional que se funda na internacionalização do direito penal.

Palavras-chave: Direito Penal Internacional. Direito Internacional Penal. Cooperação. Jurisdição Penal.

ABSTRACT

Advances in contemporary criminal law from a global perspective are the result of an increasingly globalized and interconnected society. Based on this reality, the present study proposes an analysis of the influence of this growing advance in international relations. To this end, methodological use was made of the qualitative research approach based on bibliographic and documental procedures available on the subject under analysis. The particularities and respective areas of action of International Criminal Law, as well as International Criminal Law, were established to understand the consequences of its growing development in international relations. It was demonstrated, in summary, that international advances in criminal matters directly influence international relations by requiring cooperation between States to achieve their objective, the end of acting for the common good, whether in the fight against transnational crimes or in the search to resolve impunity. in conduct that violates the human values ​​on which international society is based. This cooperation is not always easily verified, as an example we can mention the resistance of several States to accept the international jurisdiction that is based on the internationalization of criminal law.

Keywords: International Criminal Law. Cooperation. Criminal. Jurisdiction.

  1. INTRODUÇÃO

Sendo o Direito Penal um tradicional mecanismo de intervenção repressiva dos Estados para contenção de condutas socialmente indesejáveis em seu território, este sempre possuiu ampla conexão com as regras e normas internas de cada país. Ocorre que a política criminal vem adquirindo um caráter transnacional, fundamentada na “poderosa articulação de esforços de globalização de valorações jurídico-penais que opera pela promoção de uma agenda político criminal em nível global e pela harmonização de ordenamentos nacionais, levados a convergir para uma referência tornada comum” (Corrêa, 2017, p. 3)

As particularidades inerentes a uma sociedade cada vez mais globalizada tornaram evidente a necessidade de criminalização de determinas condutas, sejam elas individuais ou de grupos, que “são capazes de pôr em risco a convivência entre os homens e a paz entre os diversos Estados nacionais” (Japiassú, 2012, p.71).

Frente a esta questão, o presente estudo possui como objetivo principal responder a seguinte problemática: Como o os avanços do direito que trata dos crimes numa perspectiva global influenciam as relações internacionais?

Para se alcançar este objetivo busca-se estabelecer as diferenças dos campos de atuação do Direito Penal Internacional e do Direito Internacional Penal, demonstrando os reflexos de cada um deles nas relações construídas na sociedade internacional, com enfoque especial na cooperação e jurisdição internacional e as minúcias delas decorrentes.

A proposta justifica-se por abordar uma temática que gera bastante confusão e discussões entre operadores do direito, que consiste na efetiva segregação entre o Direito Penal Internacional e o Direito Internacional Penal, assim como as polêmicas que se relacionam especificamente à jurisdição penal internacional e o possível embate desta à soberania dos Estados.

Buscando alcançar as metas propostas, a presente pesquisa faz uso de uma revisão de literatura, de natureza descritiva e explicativa, instrumentalizada por procedimento bibliográfico que abrange materiais públicos que discorram acerca do tema em análise, como publicações boletins, jornais, livros, revistas, pesquisas, monografias, teses etc.

  1. AS VARIAÇÕES DO CRIME EM CONTEXTO INTERNACIONAL

Para compreender as variações que do crime no contexto internacional é necessário, inicialmente, saber diferenciar a atuação do Direito Internacional Penal e do Direito Penal Internacional. Enquanto o Direito Penal Internacional atua na cooperação entre Estados, a fim de combater crimes que extrapolam os limites territoriais exigindo apoio de outros entes estatais, o Direito Internacional Penal trata de atos que ofendem valores basilares a convivência internacional.

Nas palavras de René Ariel Dotti (2004, p.109), o direito penal internacional é “o conjunto de disposições penais de interesses de dois ou mais países em seus respectivos territórios”. Já o direito internacional penal se caracteriza pelo “complexo de normas penais visando à repressão das infrações que constituem violações do direito internacional” (Dotti, 2004, p.109).

Passa-se a analisar de forma específica cada um destes ramos, trazendo as principais considerações e particularidades inerentes a cada um deles, para que possa justificar como o os avanços do direito que trata dos crimes numa perspectiva global influenciam as relações internacionais

2.1 Direito Penal Internacional: considerações sobre a cooperação internacional

Segundo Japiassú (2012, p.70), o “direito penal internacional é fruto da convergência entre a necessidade de aplicação internacional das regras penais internas e a existência de aspectos penais nas normas internacionais”.

Fundamentado na cooperação entre os Estados, que consiste “no meio pelo qual os Estados auxiliam uns aos outros no tratamento de questões que sejam de interesse do Direito Penal e do Direito Processual Penal” (Feitosa, 2023, p.3), o Direito Penal Internacional busca entender como os Estados se articulam para o combate aos ilícitos transnacionais e aos crimes que envolvem ações em mais de um Estado.

A guerra contra as drogas, organizações criminosas, lavagem de dinheiro e corrupção são alguns dos exemplos clássicos de crimes que ultrapassam os limites dos Estados, inspirando formulações legislativas e doutrinárias atinentes ao direito penal internacional.

Entre estas formulações legislativas estão diferentes normas, sejam elas costumeiras ou fundamentadas em acordos ou tratados, que surgiram a fim de regulamentar os problemas supramencionados, entre outros que demandam uma ativa cooperação entre os Estados.

Como exemplo pode-se mencionar a Convenção contra o Tráfico Ilícito de Entorpecentes e Substâncias Psicotrópicas, que foi firmada em Viena, em 1988, com o objetivo de promover a cooperação internacional no combate ao narcotráfico, o Protocolo contra a Fabricação e o Tráfico Ilícito de Armas de Fogo, suas Peças, Componentes e Munições, Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional, Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção, entre outros (Feitosa, 2023).

Aufere-se, portanto, que os avanços do Direito Penal em uma perspectiva global têm influência direita nas relações internacionais pois busca, na cooperação entre os Estados, uma forma de prevenir, combater e enfrentar os crimes transnacionais.

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2.2 Direito Internacional Penal: considerações sobre a jurisdição internacional

Conforme disciplina Japiassú (2012, p.75), o Direito Internacional Penal, por sua vez, atua na “proteção penal da comunidade internacional e a dos bens jurídicos supranacionais, através da repressão aos crimes internacionais próprios”. A preocupação aqui é, portanto, zelar pelos valores da comunidade internacional, punindo condutadas que lhes são contrárias.

Para proteger estes interesses comuns foi criado o Tribunal Penal Internacional, fundando “um sistema de repressão aos delitos internacionais, por meio de uma jurisdição penal internacional permanente” (Japiassú, 2012, p.74), que pudesse julgar os denominados ‘crimes internacionais’. Discorrendo sobre os critérios utilizados para definição das condutas que se enquadram no contexto de crimes internacionais, Rehder explica:

De acordo com o pensamento jurídico prevalecente, os quatros crimes que constam no Estatuto do TPI distinguem-se dos demais pelo fato de possuírem um aspecto coletivo, realmente público, tornando-os crimes internacionais por natureza. São delitos aos quais o Direito Internacional atual atribui uma forma de responsabilidade propriamente internacional. Ao contrário os demais crimes são considerados como tendo um aspecto mais privado e, por ora, prefere-se remetê-los às ordens jurídicas nacionais, com a finalidade de estabelecer as responsabilidades penais individuais. Outros crimes, especialmente os que correspondem a violações mais graves aos Direito Humanos, como a tortura, estariam, atualmente, em uma situação intermediária: sua definição e regime são, em grande parte, internacionais, mas a sanção é deixada às jurisdições internas (2018, p.3)

Atualmente constituem crimes internacionais, segundo o Estatuto do Tribunal Penal Internacional, os crimes de genocídio, crimes contra a humanidade, crimes de guerra e crime de agressão.

Os crimes de genocídio abrangem todas as práticas contra membros de grupos específicos com fim de causar sua destruição. Já os crimes contra a humanidade consistem em atos de ataque contra qualquer população civil pelos mais diversos meios e motivos, podendo incluir crimes de homicídio, escravidão, tortura, desaparecimento forçado, perseguição por motivos políticos, raciais, nacionais, étnicos, religioso ou de gênero, além do terrorismo (Feitosa, 2023).

Os crimes de agressão e terrorismo são definitos como atos de planejamento, preparação ou execução de atos de agressão dirigidos por autoridade competente de um determinado Estado. Por fim, os crimes de guerra ligam-se ao rol de direitos de guerra e direito humanitário que estão dispostos na convenção de Haia e Genebra (Feitosa, 2023).

Ocorre que a jurisdição internacional, que decorre diretamente da popularização de uma internacionalização do direito penal, ainda causa muitas opções conflitantes, especialmente em função do problema político sobre os limites internacionais de atuação dos Estados-membros e o resguardo de sua soberania (Rehder, 2018).

Ainda assim, é inegável o reflexo do progresso contínuo da jurisdição penal no cenário global às relacionais internacionais que, para ser exercida, também necessita da cooperação entre os Estados no enfrentamento da impunidade de crimes que ferem os valores e princípios basilares à humanidade, resguardados pela comunidade internacional.

  1. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Conclui-se, em termos gerais, que quer seja na internacionalização do direito penal interno em busca de colaboração internacional para apuração e prevenção de crimes transnacionais, quer seja em função da necessária prevenção e repressão de crimes que ameaçam a manutenção da paz e do bom relacionamento entre os homens e as nações, os avanços do direito criminal em perspectiva global refletem diretamente nas relações internacionais, exigindo que os Estados se adequem a essa crescente tendência, colaborando entre si em prol do bem comum, mesmo que isso signifique abrir mão de parcela da sua soberania a fim de mitigar a impunidade em crimes que ferem a própria existência humana.

  1. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Corrêa, E. P. A. Política Criminal Transnacional da Sociedade em Rede: regimes de proibição global, margem de apreciação, princípio da norma mais favorável. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2017.

Dotti, R. A. Curso de direito penal - Parte Geral. 2 ed, Rio de Janeiro: Forense, 2004.

Feitosa, M. Crimes Internacionais. [e‐book] Flórida: Must University.

Japiassú, C. E. A. (2012). O Direito Penal Internacional e os Crimes Internacionais. Revista Interdisciplinar do Direito-Faculdade de Direito de Valença 9 (1), 69-90, 2023.

Rehder, G. A. C. Crimes Internacionais. (2018). Disponível em: www.publicadireito.com.br/artigos/?cod=67388f1834f7d624#:~:text=Atualmente%20constituem%20crimes%20internacionais%2C%20segundo,de%20guerra%3B%20crime%20de%20agressão. Acessado em: 07 mar. 2023.

Sobre a autora
Isadora Neves

Graduada em Direito; Aprovada no XXXIII Exame de Ordem; Especialista em Direito Médico; Mestranda em no programa 'Master of Science in Legal Studies, Emphasis in International Law', Professora do ensino superior. Lattes: http://lattes.cnpq.br/1448193965715706

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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