A reforma das decisões proferidas pelo TST no STF em sede de reclamação

06/12/2023 às 10:53
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Sugestão de nota: A reforma das decisões proferidas pelo Tribunal Superior do Trabalho no Supremo Tribunal Federal em sede de Reclamação gera instabilidade institucional e insegurança jurídica?

Resenha: Análise das decisões monocráticas proferidas pelo Supremo Tribunal Federal na Reclamação 60.436/SP e Reclamação 60.371/RJ que cassaram julgados proferidos pelo Tribunal Superior do Trabalho.

O Tribunal Superior do Trabalho – TST tem uma importância de relevo no sistema de justiça, sendo uma justiça especializada em direito do trabalho, tendo previsão constitucional no art. 111, I da Constituição da República Federativa do Brasil, sendo composto por vinte e sete Ministros (art. 111 – A da CRFB2).

A Lei Federal nº. 7.701/19883 dispõe sobre a especialização das turmas, estrutura e competência Tribunal Superior do Trabalho - TST, que possui, dentre outras, a atribuição de julgar em última instância, os recursos ordinários interpostos contra decisões dos Tribunais Regionais do Trabalho - TRT’s, bem como outras espécies recursais.

O art. 4º da Lei Federal nº. 7.701/1988 estabelece a competência do pleno do Tribunal Superior do Trabalho - TST no tocante a mecanismos para uniformização da jurisprudência em matérias relacionadas ao direito do trabalho, tais como: a) a declaração de inconstitucionalidade ou não de lei ou de ato normativo do Poder Público; b) aprovar os enunciados da Súmula da jurisprudência predominante em dissídios individuais; c) julgar os incidentes de uniformização da jurisprudência em dissídios individuais e d) aprovar os precedentes da jurisprudência predominante em dissídios coletivos.

Feita essa breve abordagem sobre o Tribunal Superior do Trabalho - TST, vamos analisar alguns dos seus julgados relacionados a matéria de reconhecimento de vínculo empregatício, cujas decisões acabaram sendo reformadas pelo Supremo Tribunal Federal – STF em sede de Reclamação.

O Supremo Tribunal Federal - STF nos autos da Reclamação 60.436/SP4, de relatoria do Ministro Roberto Barroso, cassou a decisão do Tribunal Superior do Trabalho - TST proferida nos autos da reclamação trabalhista nº. 1000889-83.2016.5.02.0069.

Na origem, foi postulado o reconhecimento do vínculo empregatício de uma advogada com um escritório de advocacia, sendo deferido parcialmente o reconhecimento do vínculo empregatício pelo Juízo de 1º Grau.

O Tribunal Regional do Trabalho - TRT da 2ª região reformou a r. sentença e afastou o vínculo empregatício. A parte autora interpôs recurso de revista visando o restabelecimento da sentença de primeira instância. O recurso de revista prosseguiu pelo provimento de agravo de instrumento. No mérito a 3ª turma do Tribunal Superior do Trabalho - TST reformou o acórdão regional, reconhecendo a relação de emprego, invocando o princípio da primazia da realidade e as regras de distribuição do ônus probatório.

Inconformada com a decisão, o escritório de advocacia manejou Reclamação alegando afronta ao decidido pelo Supremo Tribunal Federal - STF na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental - ADPF 324, Ação Declaratória de Constitucionalidade - ADC 48 e 66, nas Ação Direta de Inconstitucionalidade - ADIs 3.961 e 5.625 e no Recurso Especial - RE 958.252, sendo julgado procedente o pedido, para cassar a decisão reclamada (Autos nº 1000889-83.2016.5.02.0069) e determinar que outra seja proferida, em observância à jurisprudência vinculante desta Corte (Supremo Tribunal Federal – STF).

Basicamente, a decisão proferida por órgão colegiado e especializado em direito do trabalho vinculado ao Tribunal Superior do Trabalho – TST foi cassada por uma decisão monocrática proferida pelo Ministro Roberto Barroso.

Cumpre destacar que o parágrafo único do art. 161 do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal – RISTF autoriza a decisão monocrática por parte do Relator: “o Relator poderá julgar a reclamação quando a matéria for objeto de jurisprudência consolidada do Tribunal.

A Reclamação é uma medida judicial que reveste-se de natureza constitucional e tem como finalidades a preservação da competência do Supremo Tribunal Federal, a garantia da autoridade de suas decisões (art. 102, inc. I, al. “l”, da CRFB), além da observância de enunciado da Súmula Vinculante do STF (art. 103-A, § 3º da CRFB). Em sede infraconstitucional, encontra regulação nos arts. 988 a 993 do Código de Processo Civil e, especificamente no âmbito do Supremo Tribunal Federal - STF, nos arts. 156 a 162 do respectivo Regimento Interno (RISTF).

Será que a utilização da Reclamação perante o Supremo Tribunal Federal - STF como substitutivo da via recursal própria gera instabilidade institucional entre os órgãos do Poder Judiciário, bem como insegurança jurídica?

É certo que compete ao Supremo Tribunal Federal - STF processar e julgar originariamente a Reclamação para preservação de sua competência e garantia da autoridade de suas decisões (CRFB, art. 102, I, “l”). Todavia, salvo melhor juízo, desconstituir por decisão monocrática julgado proferido por órgão colegiado especializado em matéria trabalhista, que enfrentou de forma exauriente a matéria, ao que me parece, gera insegurança jurídica.

Cumpre destacar que os precedentes do Supremo Tribunal Federal - STF suscitados na Reclamação para cassar a decisão do Tribunal Superior do Trabalho – TST, na minha modesta opinião, são de casos inespecíficos, conforme veremos a seguir.

A ADPF 324 fixou a tese sobre a terceirização da atividade fim, nos seguintes termos: “1. É lícita a terceirização de toda e qualquer atividade, meio ou fim, não se configurando relação de emprego entre a contratante e o empregado da contratada. 2. Na terceirização, compete à contratante: i) verificar a idoneidade e a capacidade econômica da terceirizada; e ii) responder subsidiariamente pelo descumprimento das normas trabalhistas, bem como por obrigações previdenciárias, na forma do art. 31 da Lei 8.212/1993.”

Por sua vez, na ADC 48 e ADI 3.961 (esta tramitou em apenso a ADC 48), foi reconhecida a constitucionalidade da Lei Federal nº. 11.442/2007, a qual dispõe sobre o transporte rodoviário de cargas por conta de terceiros, firmando a seguinte tese: “1 - A Lei nº 11.442/2007 é constitucional, uma vez que a Constituição não veda a terceirização, de atividade-meio ou fim. 2 - O prazo prescricional estabelecido no art. 18 da Lei nº 11.442/2007 é válido porque não se trata de créditos resultantes de relação de trabalho, mas de relação comercial, não incidindo na hipótese o art. 7º, XXIX, CF. 3 - Uma vez preenchidos os requisitos dispostos na Lei nº 11.442/2007, estará configurada a relação comercial de natureza civil e afastada a configuração de vínculo trabalhista.”

Já a ADC 66 declarou constitucional o art. 129 da Lei Federal nº. 11.196/2005, a qual instituiu o Regime Especial de Tributação para a Plataforma de Exportação de Serviços de Tecnologia da Informação - REPES, o Regime Especial de Aquisição de Bens de Capital para Empresas Exportadoras - RECAP e o Programa de Inclusão Digital, dentre outras providências.

Na ADI 5.625, o Supremo Tribunal Federal - STF fixou a seguinte tese: “1) É constitucional a celebração de contrato civil de parceria entre salões de beleza e profissionais do setor, nos termos da Lei 13.352, de 27 de outubro de 2016; 2) É nulo o contrato civil de parceria referido, quando utilizado para dissimular relação de emprego de fato existente, a ser reconhecida sempre que se fizerem presentes seus elementos caracterizadores.”

Por fim, no RE 958.252, o Supremo Tribunal Federal - STF apreciando o tema 725 da repercussão geral, deu provimento ao recurso extraordinário, fixando a seguinte tese: “É lícita a terceirização ou qualquer outra forma de divisão do trabalho entre pessoas jurídicas distintas, independentemente do objeto social das empresas envolvidas, mantida a responsabilidade subsidiária da empresa contratante.”

Conforme se depreende das teses supracitadas que foram fixadas pelo Supremo Tribunal Federal – STF e que serviram de precedentes na Reclamação nº. 60436/SP, embora envolvam o direito do trabalho, no meu juízo, não há uma perfeita subsunção desses precedentes com a matéria versada na decisão do Tribunal Superior do Trabalho - TST proferida nos Autos nº 1000889-83.2016.5.02.0069, haja vista que tratou de reconhecimento de vínculo de uma pessoa natural (advogada) que laborou em escritório de advocacia.

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Por sua vez, os precedentes estão relacionados com a questão da terceirização da atividade meio ou fim, a relação comercial do transportador rodoviário de carga e a natureza de contrato civil de parceria entre salão de beleza e profissionais do setor.

Ou seja, os precedentes lançados na ratio decidendi da Reclamação 60.436 SP não são específicos sobre reconhecimento de vínculo empregatício de advogada com escritório de advocacia.

No meu sentir, a decisão do Tribunal Superior do Trabalho - TST não usurpou a competência do STF, bem como não desrespeitou sua jurisprudência.

Por sua vez, na Reclamação 60.371/RJ5, houve decisão monocrática do Ministro André Mendonça, contra decisão proferida pelo Tribunal Superior do Trabalho - TST, no processo nº 0011593-38.2015.5.01.0037, que teria desrespeitado a autoridade da Suprema Corte, no que se refere aos julgados proferidos na ADPF nº 324/DF, ADC nº 48/DF, ADIs nº 3.961/DF e nº 5.625/DF, e RE nº 958.252-RG/MG, Tema nº 725 do ementário da Repercussão Geral.

Neste outro caso, as reclamantes narram que interpuseram recurso ordinário contra a sentença que julgou procedente, em parte, a ação trabalhista de origem. Afirmam que o Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região deu parcial provimento ao recurso, mantendo o vínculo empregatício. Aduzem que foram opostos embargos de declaração, os quais foram rejeitados. Na sequência, interpuseram recurso de revista, ao qual se negou seguimento, com fundamento no art. 896, al. “a”, da CLT. Interposto agravo de instrumento, o Relator, monocraticamente, manteve a decisão do Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região. Informam que interpuseram agravo interno, o qual está pendente de julgamento.

Conforme se verifica na Reclamação 60.371/RJ, a matéria versada também reside no reconhecimento do vínculo empregatício, cuja matéria depende de ampla dilação probatória, sendo que, no meu sentir, de igual modo, os julgados proferidos na ADPF nº 324/DF, ADC nº 48/DF, ADIs nº 3.961/DF e nº 5.625/DF, e RE nº 958.252-RG/MG, Tema nº 725 do ementário da Repercussão Geral, não guardam relação com a decisão proferida pelo Tribunal Superior do Trabalho - TST, no processo nº 0011593-38.2015.5.01.0037.

Tenho a percepção que as decisões monocráticas proferidas na Reclamação 60.436/SP e na Reclamação 60.371/RJ geram instabilidade institucional na Justiça do Trabalho, que tem sua competência definida na CRFB e possui relevante função social, além de gerar insegurança jurídica.

Não é razoável que a competência da Justiça do Trabalho seja restringida por precedentes inespecíficos que são suscitados por Reclamação Constitucional e decididos monocraticamente. É uma modesta opinião, com todo respeito a quem pensa de forma diferente.

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  2. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm . Acesso em: 23.11.2023.

  3. BRASIL. LEI 7.701, de 21 de dezembro de 1988. Dispõe sobre a especialização de Turmas dos Tribunais do Trabalho em processos coletivos e dá outras providências. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l7701.htm . Acesso em: 23.11.2023.

  4. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Reclamação Rcl nº. 60.436/SP. Reclamante: Passarine Advogados. Reclamado: Tribunal Superior do Trabalho. Relator: Ministro Roberto Barroso. Brasília 20.06.2023. https://portal.stf.jus.br/processos/downloadPeca.asp?id=15359073213&ext=.pdf . Acesso em: 23.11.2023

  5. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Reclamação Rcl nº. 60.371/RJ. Reclamante: Fsb Comunicação e Planejamento Estratégico Ltda. Reclamado: Relator do AIRR nº. 11593-38.2015.5.01.0037 do Tribunal Superior do Trabalho. Relator: Ministro André Mendonça. Brasília 09.08.2023. https://portal.stf.jus.br/processos/downloadPeca.asp?id=15359984137&ext=.pdf . Acesso em: 23.11.2023

Sobre o autor
Marcos Fernando Lopes

Mestrando em Direito pela Faculdade Autônoma de Direito (FADISP); Pós graduado em direito e processo do trabalho pela Faculdade Metropolitana Unidas - FMU; Pós graduado em Direito e Processo Tributário pela Escola Paulista de Direito – EPD. Especialista em perícia judicial e extrajudicial pela Universidade Estácio de Sá. Contabilista. Advogado. Conselheiro no Conselho Penitenciário do Estado de São Paulo.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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