Empoderamento comunitário: Como a periferia é capaz de gerar influência social com apenas três passos.

30/11/2023 às 13:31
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RESUMO: Empoderamento comunitário é um processo de fortalecimento de grupos dentro da sociedade, buscando conscientização, organização e prática para alcançar melhorias sociais. Baseado na Constituição brasileira, envolve a participação ativa da comunidade na gestão de seus interesses, permitindo ações diretas na melhoria de serviços e na qualidade de vida, criando uma consciência coletiva e promovendo o envolvimento cidadão na definição de políticas públicas. Isso fortalece as comunidades, amplia sua capacidade de influenciar mudanças positivas e promove uma sociedade mais inclusiva, justa e participativa.

palavras-chave: Empoderamento comunitário, Constituição brasileira, Participação cidadã, Políticas públicas, Qualidade de vida.

ABSTRACT Community empowerment is a process of strengthening groups within society, aiming for awareness, organization, and practice to achieve social improvements. Based on the Brazilian Constitution, it involves active community participation in managing their interests, enabling direct actions to enhance services and quality of life, creating a collective consciousness, and promoting citizen engagement in defining public policies. This empowers communities, enhances their ability to influence positive changes, and fosters a more inclusive, fair, and participatory society.

Keywords: Community empowerment, Brazilian Constitution, Citizen participation, Public policies, Quality of life.

1. Introdução

A temática do empoderamento comunitário é de grande relevância no contexto brasileiro, especialmente nas periferias e comunidades que enfrentam desafios sociais, econômicos e políticos significativos. O empoderamento comunitário é um processo fundamental que visa fortalecer grupos de indivíduos em diversos espaços de participação social e política em um país. O seu propósito vai além, buscando ampliar a voz e a influência das comunidades nas questões que as afetam, como desenvolvimento econômico, educação, saúde, segurança, habitação e meio ambiente (RAPPAPORT, 1987).

A participação ativa da periferia e da sociedade civil em geral é fundamental não apenas para ocupar espaços anteriormente dominados por representantes com maior poder econômico, mas também para democratizar o Estado, priorizando as necessidades da comunidade, tanto a curto quanto a longo prazo. Isso envolve o combate a problemas históricos nas favelas e periferias, incluindo a falta de condições dignas de vida e a presença do crime organizado. O empoderamento comunitário é um caminho para mudar essa realidade e alcançar uma sociedade mais justa e igualitária (GOHN, 2008).

Consequentemente, é fundamental promover a conscientização da população nas comunidades periféricas em relação aos seus direitos fundamentais, conforme estabelecido na Constituição do Brasil de 1988. A Constituição prevê objetivos fundamentais, como construir uma sociedade justa e solidária, garantir o desenvolvimento nacional, erradicar a pobreza, reduzir as desigualdades sociais e promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e outras formas de discriminação. Além disso, reconhece direitos sociais, como educação, saúde, alimentação, trabalho, moradia, transporte, lazer, segurança, previdência social e assistência aos desamparados (CF/88).

Com base nisso, o presente trabalho buscou formular quais são os três pilares para alcançar o empoderamento comunitário dentro de qualquer realidade social brasileira, tendo como pilares a importância da conscientização, da organização comunitária e da prática da democracia dentro desse processo tão importante.

Trata-se de um verdadeiro manual de cidadania que visa, tanto a produção científica quanto o oferecimento de uma solução cidadã em relação ao tema.

2. Entendendo o empoderamento comunitário

Podemos definir o empoderamento comunitário como um processo de fortalecimento de grupos de indivíduos nos variados espaços de participação social e política dentro do contexto de um país. O empoderamento comunitário tem como finalidade, também, o fortalecimento da voz e da influência das comunidades sobre questões que lhe dizem respeito, como desenvolvimento econômico, educação, saúde, segurança, habitação e meio ambiente (RAPPAPORT, 1987).

Trata-se de um conceito moderno para tratar de questões antigas, as quais visam a criação de estruturas de apoio comunitário; o desenvolvimento e criação de lideranças e mediadores entre a sociedade e o Estado; a promoção da efetiva participação cidadã nos temas relevantes e de seus interesses e, por fim, o acesso a recursos necessários para o desenvolvimento.

A professora e pesquisadora Maria da Glória Gohn procura conceituar o empoderamento sob duas principais lógicas, a saber:

“Cumpre destacar que o significado da categoria ‘empowerment’ ou empoderamento como tem sido traduzida no Brasil, não tem um caráter universal. Tanto poderá estar referindo-se ao processo de mobilizações e práticas destinadas a promover e impulsionar grupos e comunidades - no sentido de seu crescimento, autonomia, melhora gradual e progressiva de suas vidas (material e como seres humanos dotados de uma visão crítica da realidade social); como poderá referir-se a ações destinadas a promover simplesmente a pura integração dos excluídos, carentes e demandatários de bens elementares à sobrevivência, serviços públicos, atenção pessoal etc”. (GOHN,2018)

Nesse contexto, buscar-se-á no presente trabalho o conceito e a discussão sobre o empoderamento ao nível geral dentro de uma comunidade, buscando não se limitar aos grupos minoritários ou questões de gêneros, as quais também passam por discussões sobre empoderamento.

Isso se dá pelo fato de que as comunidades brasileiras, em sua generalidade, são compostas por uma grande diversidade de indivíduos e grupos sociais tornando impossível trabalhar um só grupo social quando se trata de um empoderamento comum à toda sociedade.

É através da união da comunidade - e não de sua pulverização em grupos distintos - que se conquista uma melhor participação na sociedade daqueles grupos que, geralmente, estão à margem do poder e do centro das decisões políticas do país. Fala-se aqui na periferia e na sua estratégica importância dentro de uma nação.

A importância da participação da periferia, assim sendo, da sociedade civil, se fundamenta não só no sentido de ocupar espaços anteriormente dominados por representantes de maior poder econômico, mas sim, na busca pela democratização do Estado, a fim de inverter as prioridades da administração pública de forma a buscar políticas públicas que atendam a comunidade, tanto de forma emergencial quanto de forma estratégica e a longo prazo (GOHN, 2008).

Essa participação busca combater um problema histórico quando falamos em favelas e periferia. Ao falar sobre história é necessário entender como se deu o desenvolvimento de periferias no Brasil pois é impossível falar de favela sem falar de história.

O processo de urbanização do Brasil iniciou-se desde o período colonial seguindo o fluxo econômico de cada fase histórica do país. No entanto, o surgimento das favelas começou a ganhar força entre 1950 até 1970 devido a um conjunto de fatos dentre os quais cita-se a necessidade de proximidade com os centros urbanos - foco de oferta de empregos -, a ausência de um planejamento urbano coerente com a alta demanda por moradias e o aumento dos valores de imóveis construídos de forma planejada (DUNDA, 2019).

Aproximadamente nesse período, também houveram políticas de produção de conjuntos habitacionais que guardava relação com a política de remoção de favelas. No entanto, a maioria das pessoas deslocadas para outras áreas retornavam para perto dos centros onde passavam novamente a construir habitações em lugares irregulares (FERREIRA, 2009)

Com isso, em meados da década de 80, houve um grande aumento da violência urbana, sobretudo na cidade do Rio de Janeiro. Fato que chamou atenção para a grande desigualdade social que mostrava a dimensão e a quantidade de excluídos e marginalizados tanto do mercado de trabalho, quanto do mercado de consumo (MARICATO, 1995).

Sendo assim, nota-se que a ausência de condições mínimas de dignidade humana no decorrer da história e da construção das mais variadas comunidades periféricas geraram, nelas, consequências prejudiciais para a sua população. Tanto contaminando-as com a violência e o crime organizado quanto deixando aqueles que se recusaram a fazer parte disso à mercê de um estado paralelo.

Assim descreve Dunda (2019, p. 188):

“A exclusão social de indivíduos e o aumento da desigualdade social desorganizam a sociedade favorecendo a ruptura de laços comunitários e concomitantemente, fragilizam a comunidade tornando-as em um substrato facilitador para a prática de delitos, favorecendo o surgimento de organizações criminosas, que passam a controlar a comunidade, através do medo”.

Uma vez compreendido o motivo que deu à periferia um contexto caótico e propício à violência, à ausência do Estado e à falta de estrutura para uma evolução comunitária de qualidade, fica fácil compreender o que se pode melhorar para atingir o seu empoderamento comunitário.

Se o problema central gira em torno da falta de oportunidade e na falta de estrutura básica, uma comunidade mais participativa busca o protagonismo civil nas políticas sociais, participando da esfera civil e pública, seja por conselhos ou por outras formas institucionalizadas. Não se trata de uma substituição do Estado, mas sim, de um fortalecimento social na tentativa que este faça o seu dever, propiciando mais educação, segurança, qualidade e demais direitos sociais (GOHN, 2008).

Para que o presente trabalho não se limite campo das ideias impossíveis de serem aplicadas, buscar-se-á a explanação de resoluções simples para os problemas aqui apresentados, de modo que a presente pesquisa seja uma ferramenta capaz de mudar a realidade de várias comunidades, indo além da produção científica e chegando aos lares periférico como um manual de como as comunidades podem ser fortalecidas através da participação das pessoas e da criação de conselhos e associações visando a melhor qualidade de vida para todos.

Desse modo, verifica-se que a mudança pelo empoderamento comunitário da periferia caminha por três pilares principais: a conscientização, a organização e a prática. Esses pilares serão abordados de forma breve e direta a partir de agora, formando uma exposição simples, porém, completamente aplicável nas mais variadas realidades periféricas dentro do Brasil, com ênfase na importância da estruturação de grupos, conselhos ou associações voltados para dar mais espaço para as comunidades mais pobres e que, conforme já falado, experimenta inúmeros problemas sociais com a ausência do Estado em seu cotidiano.

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3. Conscientização: o primeiro passo para o poder comunitário

Podemos elencar algumas ações visando o empoderamento comunitário dentro da sociedade brasileira. Iniciando pelo mais primitivo e inerente à humanidade: a conscientização.

Segundo o dicionário Oxford Languages, o termo conscientização é o “ato ou efeito de trazer (algo) ao consciente. No entanto, a conscientização é uma ação tão coletiva que o próprio dicionário traz uma definição política e sociológica do termo: “tomada de consciência (ou trabalho visando-a) da natureza das relações humanas dentro da sociedade em que se vive, esp. da relação explorado/explorador, e de como atuar para modificar essa relação”.

Segundo os autores Yagui, Castro-Silva, et al, “a conscientização de uma situação de privação leva um grupo a se organizar para reivindicar seus direitos ou para criar soluções, um grupo que se mobiliza começa a demandar melhores condições de vida”. Logo, conscientizar-se em uma periferia não é só necessário como também é uma consequência da vivência e da experiência ali praticada, pois há uma série de privações experimentadas em comunidades pobres.

A conscientização é o ponto de partida para a mudança social. A conscientização é um processo que se constitui de inúmeros modos de participação e envolvimento político de uma comunidade. São nessas participações e relações que emergem lideranças e fomentos aos mais distintos graus de participação social, fortalecendo uma ou outra forma de relatar a história coletiva (YAGUI, 2021). Ter noção do que a comunidade a qual o sujeito está inserido precisa, do que é direito dele e do que é dever do Estado coloca o sujeito em uma posição crucial para o desenvolvimento de sua comunidade.

A partir disso, o sujeito passa a cobrar dos organismos políticos e estatais a melhoria naquilo que ele possui carência trazendo para a comunidade a participação - obrigatória - do Estado que, antes, não promovia a aplicação efetiva dos seus deveres como tal. Quando o Estado está presente, há uma diminuição na participação de outras influências que agem sobre as comunidades, estas influências nem sempre são benéficas aos indivíduos e, por isso, há nessa situação uma melhoria na qualidade de vida geral da comunidade.

A melhor forma de promover o alcance da efetiva conscientização dentro de uma periferia, buscando o seu empoderamento, é apresentá-la aos seus direitos fundamentais por intermédio da legislação pátria, principalmente por meio da Constituição do Brasil de 1988 (CF/88).

É através da Constituição de 1988 que a sociedade brasileira entende que é dever do Estado a pronta e eficiente formalização do seu bem-estar social. A função de promover o bem-estar social de todo e qualquer brasileiro está entalhado nos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil e na busca pela efetivação dos direitos sociais, conforme trechos constitucionais do artigo 3º e 6º, abaixo:

“Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: construir uma sociedade livre, justa e solidária; garantir o desenvolvimento nacional; erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais e promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação” [...] São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados”.

Falar de conscientização é falar de letramento jurídico. É dar ao povo brasileiro a ciência de que há uma Constituição Nacional que exige do Estado o mínimo existencial, a oferta de um bem-estar social para todos e o direito de lutar por uma comunidade melhor, independentemente da origem ou contexto social a qual está inserida.

4. O segundo pilar para o empoderamento é a organização comunitária

Uma vez conscientizada da sua situação, dos seus direitos e dos deveres e do ideal para uma melhor qualidade de vida. O empoderamento comunitário deve ser melhor organizado dentro das relações sociais entre os seus pares. Nesse ponto, é de suma importância a figura dos conselhos e associações.

Maria da Glória Gohn traz um compilado de ensinamentos extremamente necessários para tratar desse assunto e que merece ser transcrito na íntegra. Trata-se da importância do plano local dentro da política de um país e da importância que esta tem quando é articulada de forma organizada e projetada sistematicamente. É surreal imaginar a riqueza do que seria uma sociedade unida por pequenos conselhos comunitários, que tivessem o entendimento das seguintes leis coletivas descritas pela autora abaixo:

“a. Uma sociedade democrática só é possível via o caminho da participação dos indivíduos e grupos sociais organizados. b. Não se muda a sociedade apenas com a participação no plano local, micro, mas é a partir do plano micro que se dá o processo de mudança e transformação na sociedade. c. É no plano local, especialmente num dado território, que se concentram as energias e forças sociais da comunidade, constituindo o poder local daquela região; no local onde ocorrem as experiências, ele é a fonte do verdadeiro capital social, aquele que nasce e se alimenta da solidariedade como valor humano. O local gera capital social quando gera autoconfiança nos indivíduos de uma localidade, para que superem suas dificuldades. Gera, junto com a solidariedade, coesão social, forças emancipatórias, fontes para mudanças e transformação social. d. É no território local que se localizam instituições importantes no cotidiano de vida da população, como as escolas, os postos de saúde etc. Mas o poder local de uma comunidade não existe a priori, tem que ser organizado, adensado em função de objetivos que respeitem as culturas e diversidades locais, que criem laços de pertencimento e identidade socio-cultural e política.” (GOHN, 2008, p.24)

Tomando por base o estudo da autora, há a necessidade de falar na presente pesquisa que os conselhos comunitários aqui defendidos não se tratam de Organizações Sociais (OSs) ou Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIPs), mas sim, de conselhos criados e regidos pela própria comunidade dentro daquela região. Para simplificar ainda mais, toma-se por exemplo grupos que a vizinhança cria para mantê-los seguros, tais como rondas noturnas, serviços de manutenção como poda de árvores, coleta seletiva ou manutenção de praças, dentre outros grupos comunitários.

É através dessa união que mais agentes políticos vão construindo a sua visão crítica dentro da sociedade, deixando de entregar seus anseios a terceiros e passando a ser agentes de suas próprias mudanças.

Enquanto as OSs e as OSCIPs fazem parte de um modelo político de execução de políticas públicas sob a supervisão e fiscalização do Estado, com o foco na prestação de serviços de terceiro setor (o qual o Estado transfere para tais mediante concessões legitimadas por leis e regulamentos), os conselhos comunitários visam a organização da própria comunidade no contexto as quais estão inseridas. Não possuem uma noção macro ou administrativa estatal, mas possuem grande potencialidade política se levadas ao lugar certo (GOHN, 2008).

Se a comunidade cria um conselho comunitário forte, com integrantes ativos e conscientes do seu papel social e com foco de integrar a comunidade a qual faz parte com o agente político eleito e competente para tratar dos seus interesses, cria-se aí um forte elo de participação popular direta dentro da política, uma vez que a liderança desse grupo fará uma ponte entre o mandatário elegido e a parcela que o elegeu, por exemplo.

Uma ideia extremamente eficiente, porém, pouco difundida dentro da cultura brasileira onde muitos eleitores perdem o contato com o político que elegeram pois não possuem uma ligação efetiva com o seu mandato. Imagina-se o benefício que seria um conselho comunitário voltado para esse tipo de ação. Eis aqui um claro exemplo de empoderamento comunitário.

A Organização é, portanto, um dos pilares para efetiva participação do povo na definição dos rumos do seu país. Isso é necessário e vital para o empoderamento comunitário pois a esfera pública deve ser um espaço para os cidadãos exercerem a fiscalização e vigilância sobre os poderes públicos constituídos via eleições, concursos ou demais processos democráticos. Trata-se de uma ampliação da responsabilidade da esfera pública para a manipulação de todos, em detrimento de um monopólio estatal, de modo que a gestão social passe a ser uma gestão compartilhada a partir de deliberações públicas mais democráticas e acessíveis a todas as esferas comunitárias (GOHN, 2008).

5. A prática e a proatividade como forma de exercício do poder social

O terceiro pilar para o empoderamento comunitário é, por óbvio, a prática. Tem-se até agora um processo cronológico de como o empoderamento comunitário pode surgir e ganhar forma dentro de uma comunidade.

A primeira etapa é a conscientização de sua situação social, a qual a história nacional gerou em cada estado brasileiro. Cada comunidade tem o seu contexto social, sua história, sua dificuldade e o modo como interage nesse ambiente. Diante dessa consciência, a outra etapa de conscientização nasce da necessidade de mudar essa realidade. A conscientização de que existem leis e que estas leis garantem a essas comunidades direitos fundamentais que devem ser promovidos pelo Estado (YAGUI, 2021).

Após isso, a comunidade busca se organizar para demandar os seus interesses para as autoridades políticas e administrativas. É através da organização que os pequenos conselhos tomam forma, lideranças são criadas e a comunicação é estabelecida entre a comunidade e os representantes políticos. É por meio da organização que o plano de ação é criado e é posto em prática.

A prática, então, é a exteriorização das demandas da comunidade. São as sugestões, solicitações, reclamações e as ações afirmativas promovidas para o interesse da comunidade, tendo como alvo o Estado.

Tais atitudes podem ser feitas por meio de canais públicos tais como ouvidorias, corregedorias, gabinetes de governantes e políticos ou até mesmo com o auxílio das já citadas OSs e OSCIPs. Outro exemplo de participação e prática que gera empoderamento comunitário é a participação política direta tais como a propositura de projetos de lei e as consultas populares que são trabalhados dentro da seara do Direito Eleitoral (GOHN, 2008).

Autores como Maritza Montero (2004) ainda classificam essa prática sobre dimensões as quais são a ontológica que se refere à natureza do ser e levanta questões de existência ou estado; a dimensão epistemológica que se refere à produção de conhecimento bem como o seu trabalho; a dimensão metodológica a qual discute os meios empregados para produzir e trabalhar esse conhecimento (cursos, palestras e oficinas comunitárias) em busca de uma mudança de paradigma; a dimensão ética que consiste em incluir o outro ou a sua comunidade no processo de mudança e participação social, como é o caso dos multiplicadores, e por fim a dimensão política que é muito bem trabalhado pela autoras Soraia Ansara e Bruna Amaral Dantas (2010, p. 99) , in verbis:

“Por fim, a dimensão política relaciona-se à finalidade e aplicabilidade do conhecimento, fornecendo elementos à compreensão do "para que" e "em benefício de quem" o saber é produzido e quais são seus efeitos sociais. Essa dimensão diz respeito à esfera pública, às questões concernentes à cidadania5 e ao caráter político da ação comunitária, que permite a todo sujeito expressar-se e fazer-se ouvir publicamente, gerando espaços de diálogo nos quais aqueles que são relegados ao silêncio possam falar e ser escutados. Toda intervenção comunitária envolve relações de poder, que correspondem ao núcleo central da ação política, a qual, na perspectiva da Psicologia Comunitária, opõe-se ao caráter dominante das relações e instituições sociopolíticas. Essa dimensão remete a algumas perguntas, tais como: Existem formas de exclusão na comunidade? Para quem é o conhecimento e quais são seus efeitos? As pessoas interessadas na comunidade são conscientes de seus direitos e deveres de cidadãos e para com a comunidade? Há um compromisso tanto dos agentes externos como dos agentes internos?”

Aqui não se busca exaurir cada tópico elencado, mas demonstrar a infinidade de possibilidades que uma comunidade detentora de poder pode exercer dentro da sociedade, atuando como um agente formado por muitos na busca de interesses comuns.

Praticar também implica a geração de conhecimento útil, ou seja, implica em multiplicar a prática democrática dentro da sua comunidade. Quando se cria um conselho comunitário visando a erradicação da violência e da perturbação do sossego, por exemplo, a comunidade local inicia um processo de geração de conhecimento jurídico, indicando o que é e o que não é permitido dentro da convivência social. Gera-se também o conhecimento de meios ou locais onde os direitos relativos ao tema podem ser alcançados por meio de solicitações, denúncias ou reclamações e assim, é construído uma rede de conhecimentos que geram a multiplicação de ações afirmativas, progressos éticos e comportamentais, desenvolvimento social, letramento jurídico e outros benefícios capazes de empoderar a comunidade em geral, tornando-a em um local mais seguro e prazeroso de se viver (ANSARA & DANTAS, 2010).

Empoderamento é isso. É gerar para a sociedade uma consciência coletiva durável, na qual pode e deve fazer daquela comunidade um exemplo de urbanidade, respeito e desenvolvimento. Não se limitando ao aspecto de infraestrutura e da espera por um Estado presente, mas fazendo-se presente e buscando ser melhor a cada dia, utilizando-se do melhor que se tem no presente momento.

É fato que o empoderamento comunitário utiliza-se do recurso mais valioso de qualquer construção humana: as pessoas. E pessoas quando unidas são capazes de gerar poder, assim entendido como a própria política.

Nada é mais poderoso em uma nação do que o poder emanado do povo. E é esse poder que deve-se ter pela busca do empoderamento comunitário. Não se trata de mera identidade ou simples narrativa partidária, mas sim, do princípio básico que toda a sociedade brasileira deveria ter consciência.

6. Conclusão

É importante notar que os outros processos que geram o empoderamento comunitário são originados ou derivados desses três pilares. Percebe-se que temas relativos aos direitos sociais e ao bem-estar social são diretamente oriundos da capacidade de demanda por parte de grupos sociais.

O empoderamento comunitário pode ser reforçado por uma boa infraestrutura, uma boa prestação de condições básicas de energia e saneamento, por políticas públicas de assistência social efetiva, um bom sistema de saúde, segurança e educação. Mas tudo isso é oriundo de participação popular, por meio de cobrança perante o Estado.

No mais, o empoderamento é, acima de tudo, um estado de consciência que é iniciado de forma espontânea e vai criando contornos políticos e jurídicos, devidamente amparados pela legislação brasileira.

O fato é que o brasileiro não conhece do poder que tem e da quantidade de direitos que lhe é devido. E a falta dessa consciência pode, de certa forma, dificultar o processo de empoderamento social.

Portanto, é necessário que os pesquisadores e entusiastas da ciência compartilhem os métodos e os conhecimentos a fim de facilitar a aproximação da comunidade e do Direito para que o processo de conscientização se inicie e, a partir disso, passe a dar continuidade as outras etapas já defendidas no presente trabalho.

Como já defendido, buscou-se aqui concatenar um método simples e eficaz de promover o empoderamento comunitário em qualquer periferia dentro do Brasil. Portanto, o presente artigo pode ser perfeitamente entendido como um verdadeiro manual perfeitamente replicável e aplicável a qualquer contexto, uma vez que o que foi narrado aqui é constituído de leis naturais, onde qualquer pessoa ou conjunto de pessoas podem utilizar.

Iniciando-se pela conscientização, passando para a organização de grupos e conselhos, buscando o aperfeiçoamento por conhecimentos pertinentes e partindo para a ação em busca de extinguir, modificar ou criar possibilidades e fatos jurídicos que são atinentes ao convívio daquele contexto comunitário.

Por fim, falar sobre empoderamento comunitário é algo extenso e requer uma abordagem mais social e participativa do que propriamente científica. No entanto, a ciência é capaz de ajudar a aquisição desse poder e servir de base sólida para o início de uma transformação social.

7. Referências bibliográficas

ANSARA, Soraia; AMARAL DANTAS, Bruna Suruagy do. Intervenções psicossociais na comunidade: desafios e práticas. Psicologia & Sociedade, 22 (1), 95-103, 2010. Disponível em: https://www.scielo.br/j/psoc/a/pYmg7Q4mXbGqLrHwhmKdqmg/?format=pdf&lang=pt. Acesso em novembro de 2023

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal, 1988.

DICIONÁRIO OXFORD. Conscientização. Disponível em: https://languages.oup.com/. Acesso em novembro de 2023.

DUNDA, Maria Virginia Faro Eloy. O EMPODERAMENTO URBANO COMUNITÁRIO E A PARTICIPAÇÃO NA GESTÃO DEMOCRÁTICA DA CIDADE: Uma reflexão a partir do direito urbanístico como instrumento de prevenção criminal. Revista Científica da FASETE 2019.1. 2019. Disponível em: o_empoderamento_urbano_comunitario_e_a_participacao_na_gestao_democratica_da_cidade.pdf (unirios.edu.br)

RAPPARPORT, J. (1987). Terms of empowerment/exemplars of prevention: Toward a theory for community psychology. American Journal of Community Psychology, 15(2), 121-148.

GOHN, Maria da Glória. Empoderamento e participação da comunidade em políticas sociais. SciELO - Scientific Electronic Library Online, 2008. Disponível em https://www.scielo.br/j/sausoc/a/dGnqs6Q5RZbKgTNn54RRBNG/. Acesso em outubro de 2023.

FERREIRA, Álvaro. Favelas no Rio de Janeiro: nascimento, expansão, remoção e, agora, exclusão através de muros. Revista Bibliográfica de Geografía y Ciencias Sociales.2009. Disponível em: http://www.ub.edu/geocrit/b3w-828.htm Acesso em outubro de 2023.

MARICATO, Ermínia. Urbanismo na periferia do mundo globalizado: metrópoles brasileiras. São Paulo Perspec. 2000. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/spp/v14n4/9749.pdf>. Acesso em outubro de 2023.

MONTERO, M. (2004). Introducción a la Psicología Comunitaria: Desarrollo, conceptos y procesos. Buenos Aires: Paidós.

YAGUI, Hailton; CASTRO-SILVA, Carlos Roberto; EUZEBIOS FILHO, Antonio; MARTIN, Sueli Terezinha Ferrero. Participação social de lideranças comunitárias em um contexto de desigualdade social e no enfrentamento da pandemia da COVID-19: um enfoque psicossocial. Dossiê • Saude soc. 30 (2) • 2021. Disponível em: https://www.scielo.br/j/sausoc/a/HGkK97kXYSGNBcQpZzrhxkt/#. Acesso em novembro de 2023.

Sobre o autor
Leandro Ferreira da Mata

Bacharel em Direito pelo Centro Universitário Estácio Brasília; habilitado no Exame da Ordem dos Advogados na área de Direito Penal; Especialista em Direito da Criança, Juventude e dos Idosos e em Segurança Pública e Organismo Policial.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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