Notas sobre o voto do Ministro Zanin no RE 635659 no STF

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O voto de Zanin no STF sobre descriminalização do porte de drogas, proferido no final de agosto de 2023, foi conservador? As redes sociais  acompanharam a votação, no STF, do Recurso Extraordinário (RE) 635659, com repercussão geral (Tema 506), sobre a descriminalização do porte de drogas para consumo próprio. Com cinco votos que consideraram inconstitucional a criminalização do porte de maconha para consumo próprio, o ministro recém-empossado Cristiano Zanin acabou por proferir um voto considerando válida a previsão do artigo 28 da Lei de Drogas (Lei 11.343/2006). Foi o suficiente para muitos perfis das redes sociais se referirem a este ministro com decepção, pois esperavam que acompanhasse os votos dos demais ministros.

Além disso,  desde então, passou a haver uma campanha que busca pressionar o presidente da República, Luis Inácio Lula da Silva, a escolher um próximo ministro de acordo com o perfil defendido por segmentos da sociedade que se sentiram incomodados com esta e outras decisões de Zanin, por exemplo, ao votar contrário à equiparação de ofensas à comunidade LGBTQIA+ com injúria racial (por um motivo jurídico, de o ministro entender que o julgamento não poderia ser alterado por embargos de declaração, pois isso configuraria um novo julgamento com ampliação do mérito) e ao votar favorável ao poder de polícia para as Guardas Municipais. Isto em meio a quase 300 decisões até agora, algumas progressistas, como sua decisão contra o marco temporal que prejudicaria povos originários e contra concurso público da PMDF que estava violando, segundo o ministro, o princípio da igualdade de gênero. 

Compreendo que possa haver críticas e, com o passar dos anos, talvez, novas decepções. Mas seu voto não foi o poço de conservadorismo, a meu ver, que estão dizendo ter sido, muitas vezes com base em trecho de seu voto de alguns segundos ou minutos, sem leitura do voto, sem ponderação sobre os argumentos jurídicos evocados, sem uma maior meditação.

Em primeiro lugar, defendo que, para avaliarmos seu voto como um voto que possa de fato ser considerado expressão de uma conservadorismo, primeiro possamos ler este voto, além de assistir à totalidade da sua exposição no plenário.

Em segundo lugar, a ninguém parece chamar a atenção quais foram os argumentos do Min. Zanin em um sentido muito próximo ao seu modo de atuar como advogado, que fez tantas pessoas o elogiarem, mesmo aqueles que agora o atacam: o apego ao que o legislador estabeleceu e uma recusa de que julgadores ultrapassem sua competência e legislem (por entender que legislar é competência do Poder Legislativo), ao modificarem o entendimento de leis com base em suas convicções. 

Sim, porque Zanin reconheceu discrepâncias na aplicação judicial do artigo 28 da referida lei, por levar ao encarceramento em massa de pessoas pobres, negras e de baixa escolarização. Não houve conservadorismo nesse reconhecimento. Mas ele compreende que a mera descriminalização contraria a razão de ser da lei e que "a declaração da inconstitucionalidade do dispositivo retiraria do mundo jurídico os únicos parâmetros objetivos existentes para diferenciar usuário do traficante", conforme noticiado no site do próprio STF (STF ).

Zanin não se opôs à diferenciação entre traficantes e usuários. E, ao votar contra a descriminalização do porte de drogas para uso pessoal, ele salientou que pode reajustar seu voto para aumentar a quantidade mínima de droga que diferencie um usuário de maconha e um traficante. Nada de conservador nesta flexibilidade para o reajuste. 

Em uma rápida ponderação, informados pela imprensa acerca de seu voto, verifica-se que o ponto para Zanin foi que "o Supremo não poderia alterar a Lei das Drogas, de 2006, que excluiu a possibilidade de prisão para usuários de drogas, MAS MANTEVE o entendimento de que o porte continua sendo crime — o que, na prática, faz com que usuários sofram sanções penais, ainda que leves e diferenciadas da prisão." (CNN)

Ainda segundo a própria imprensa, o que o Min. Zanin avalia é que "uma mudança neste sentido deveria ser feita pelo Congresso", reiterando opinião já dada anteriormente de que o STF estaria invadindo a competência do Poder Legislativo ao discutir a descriminalização do porte de drogas.

Não é o fim do mundo e nem expressão de grande conservadorismo vermos um ministro do STF que se detenha a decidir sem pretender legislar em seu voto, isto é, sem pretender mudar uma interpretação da lei sem que seja para declará-la inconstitucional por ser incompatível com a CRFB/88. 

Em tese, apesar das contradições do ativismo judicial, por piores que sejam as leis, os julgadores não podem alterá-las simplesmente para aperfeiçoá-las de acordo com sua percepção - por melhor e mais razoável que seja - invadindo a competência do Poder Legislativo, ou seja, criando novas leis. Podem declará-las inconstitucionais, por exemplo, se não forem compatíveis com a CRFB/88, mas não criar uma lei nova porque será melhor, a partir de seus critérios.

Agora o julgamento do Recurso Extraordinário teve pedido de vista do Min. André Mendonça, e depois será retomado. O ideal, para os críticos, é aguardar o fim das votações, o acórdão do julgamento e realizar uma análise detalhada deste julgado, para se poder efetivamente avaliar o quanto o voto do Min. Zanin pode ter sido - ou não - tão conservador quanto as redes sociais entenderam, em avaliação ainda superficial, sem reconhecer aspectos relevantes deste voto no sentido da garantia dos direitos fundamentais, que é o que se deve esperar de um ministro do STF, ao assegurar a separação de Poderes, consagrada na CRFB/88.

Ademais, aguardemos os anos que virão e os votos do ministro em próximos julgados, para que se possa avaliar se suas decisões serão mais conservadoras ou mais progressistas, em uma análise técnica.

Mas sem que confundamos progressismo com ativismo judicial (que pode, não esqueçamos, ser conservador) e nem relacionemos conservadorismo com o apego a princípios como a separação de Poderes e o reconhecimento de que a competência para legislar deve ser do Poder Legislativo e não do Poder Judiciário, mesmo em se tratando da mais alta corte.

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Sobre o autor
Carlos Eduardo Oliva de Carvalho Rêgo

Doutor e mestre em Ciência Política (UFF), especialista em ensino de Sociologia (CPII) e em Direito Público Constitucional, Administrativo e Tributário (FF/PR), bacharel em Direito (UERJ), bacharel e licenciado em Ciências Sociais (UFRJ), é professor de Sociologia da carreira EBTT do Ministério da Educação, pesquisador e líder do LAEDH - Laboratório de Educação em Direitos Humanos do Colégio Pedro II.

Informações sobre o texto

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