Aspectos Práticos do Negócio Jurídico Processual em quase uma Década de CPC

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23/05/2023 às 22:45
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ASPECTOS PRÁTICOS DO NEGÓCIO JURÍDICO PROCESSUAL EM QUASE UMA DÉCADA DO ATUAL CPC

Resumo: O que surgiu como uma novidade vem ganhando contornos mais refinados na jurisprudência e no mundo dos contratos das grandes empresas no que tange à faculdade de disposição de posições processuais.

JÚLIO CÉSAR BALLERINI SILVA, ADVOGADO MAGISTRADO APOSENTADO E PROFESSOR DA FAJ DO GRUPO UNIEDUK DE UNITÁ FACULDADE - COORDENADOR NACIONAL DOS CURSOS DE PÓS GRADUAÇÃO EM DIREITO CIVIL E PROCESSO CIVIL, DIREITO IMOBILIÁRIO E DIREITO CONTRATUAL DA ESCOLA SUPERIOR DE DIREITO – ESD PROORDEM CAMPINAS E DA PÓS GRADUAÇÃO EM DIREITO MÉDICO DA VIDA MARKETING FORMAÇÃO EM SAÚDE.

Código de Processo Civil passou a disciplinar esse instituto processual, estabelecendo diretrizes das quais se deva partir para obter a eficácia (plano da perfeição) deste negócio jurídico diferenciado que estabelece um modo de disciplinar por cláusulas o modo de desenvolvimento de regras em caso de eventual litígio, como já restava possível no caso dos compromissos arbitrais1.

E num primeiro momento se revelou como tentador para grandes grupos econômicos (bancos, seguradoras, shoppings centers etc) buscar conseguir segurança jurídica em torno de teses institucionais, de modo antecipado, pela inclusão de cláusulas que suprimiam a possibilidade de certas discussões de modo prévio, dentro de um processo (o que se estabelecia antes dele em contrato).

Não se pode perder de vistas que atos processuais são subespécies de atos jurídicos2, seguindo as diretrizes centrais da teoria geral do direito. Nessa medida, tem-se que o ato processual necessita do exercício de vontade expressa o que o diferencia do fato jurídico lato sensu e dentre os atos jurídicos, de se observar que existem atos jurídicos em sentido estrito e negócios jurídicos.

No ato estrito exerce-se a vontade em aderir ao ato, mas não há liberdade quanto às consequências advindas do exercício de vontade (ex. escolho meu domicílio, mas não posso evitar de pagar tributos naquele local). No negócio jurídico, por sua vez, há liberdade não só da escolha na prática do ato, como há liberdade para a escolha do regime jurídico a que o ato se encontrará adstrito3.

E como um ato jurídico negocial a ele, ao menos em tese, e no que não contrariar matérias de ordem pública (por exemplo não se admite a supressão de contraditório ou ampla defesa, nem limitação de honorários sucumbenciais em negócios jurídicos processuais4 embora possível sua majoração desde que prevista pelas partes5), seriam aplicáveis as normas e princípios que norteiam os atos jurídicos em geral (por exemplo, reservas em negócios de adesão que não sejam claros, interpretando-se em desfavor dos proponentes e não aderentes cláusulas que não sejam nulas, mas que igualmente não sejam claras, não se presumindo renúncia, atos benévolos etc.)6.

Do mesmo modo, se deva aferir as situações de nulidade ou invalidade dos negócios dentro dos conceitos previstos nos moldes estabelecidos para tanto na legislação civil7

Em certa medida, inclusive, se poderia pensar em negócios jurídicos plurilaterais, que envolvem as partes e o próprio Juiz (ou mesmo podem ocorrer negócios jurídicos que sejam entendidos como plurilaterais e até mesmo coletivos8) – como por exemplo, o calendário processual (artigo 191) e o saneamento compartilhado (artigo 357, par.3º), existindo negócios jurídicos processuais típicos – previstos de modo expresso no diploma processual – eleição de foro (artigo 63), escolha de mediador ou conciliador (artigo 168), suspensão do processo por convenção das partes (artigo 313, II), saneamento consensual (artigo 357, par.2º) etc.

Postas essas premissas, o artigo 190 CPC passou a aceitar, dentro de alguns limites de ordem pública, expressamente contidos na norma em análise, a fattispecie (suporte fático ou modelo legal) de negócios jurídicos processuais enquanto atos prévios ou contemporâneos ao processo que influam na forma do procedimento processual9, podendo, inclusive, surgir negócios processuais atípicos10 (ainda que não puros e que não obriguem o juiz a decidir fora de seus termos como frisado pelo STJ), o que em ampla margem, permite estabelecer e dispor direitos, poderes, ônus11 e faculdades processuais (aplica-se a teoria de Guiseppe Lumia sobre as posições jurídicas elementares) de índole processual.

Isso amplia as próprias possibilidades de estabelecimento de cláusulas contratuais12 que vão além de interesses matérias dos contratantes envolvidos13 – eis que um fator de grande desestímulo ao desenvolvimento do país (certamente isso se reflete no assim chamado “custo Brasil” ou “custo país”), já há algum tempo, seria o estado de insegurança jurídica e demora na solução de litígios14.

Há que se observar que o consectário normativo buscou o estabelecimento de um conceito aberto ou vago – verdadeira cláusula geral, eis que se podem estabelecer negócios atípicos (para além do modelo legal ou suporte fático) de modo que, dentro do espaço de consenso (em ultima ratio a ideia de que não possa obrigar ninguém a fazer ou a deixar de fazer qualquer coisa a não ser em virtude de lei) se tem que ao juiz, por exceção, competiria apenas e tão limitar excessos que transbordem limites de normas cogentes (de índole imperativa), como já deliberado e interpretado pelo Superior Tribunal de Justiça15.

Como ato de ajuste de vontades, ideia comum aos negócios jurídicos que não sejam unilaterais16, os mesmos, via de regra estão adstritos ao princípio da relatividade contratual ou negocial – ou seja, não vinculam a princípio terceiros17 – mas há exceções como se dá nos casos dos contratos materiais como em relação a herdeiros e sucessores.

Num primeiro momento, começou-se a trabalhar com os requisitos do conceito legal (normativo) em uma expressão mais literal de modo que, havendo capacidade plena (de direito e de fato), cuidando-se de direito que admita autocomposição, inclusive, quanto a isso, nos termos do Enunciado nº 135 do Fórum Permanente dos Processualistas Civis tem-se que a indisponibilidade do direito material, por si só, não impede o negócio jurídico processual (a ideia inicial seria a de se aplicar a força obrigatória de um pacto18 – o conhecido adágio pacta sunt servanta que, como se sabe, tem interpretação sempre relativa no direito atual).

Outro dado que gera muita confusão ainda, diz respeito à natureza dos interesses envolvidos – eis que os próprios Enunciados a respeito de negócios jurídicos processuais por vezes admitem sua prática mesmo com o envolvimento de um ente público e outras vezes não admitem negócios jurídicos processuais19.

Isso ocorre porque, muitas vezes, o Estado lato sensu, possui interesses e direitos de natureza variada. Há três níveis propostos por autores do quilate de Ravi Araújo em seu conhecido texto a respeito da questão a saber: – situação de indisponibilidade absoluta (objeto inerente ao funcionamento do Estado como missão primordial que não comporta qualquer margem para alguma disponibilidade sob pena de nulidade absoluta), no outro extremo tem-se a disponibilidade relativa (para casos em que o Estado não atua revestido de poder de império mas concorre com particulares) existem as regras de indisponibilidade relativa, em que, normalmente se situam as discussões acerca dos direitos trabalhistas dos servidores (tanto há margem para uma certa disponibilidade nesta seara que existem negociações coletivas, dissídios, alçadas para acordos em reclamações etc.).

Não obstante a regra geral de respeito ao pacto de pessoas capazes ou representadas adequadas, a própria norma do artigo 190 CPC admite como exceção o controle judicial, normalmente relacionadas a nulidades20, abusividades e manifesta vulnerabilidade (o adjetivo dá uma conotação especial ao termo realçando não se tratar de qualquer vulnerabilidade).

Em arestos recentes e atualização da disciplina inicial prevista na norma, o Superior Tribunal de Justiça vem acrescentando importantes balizas interpretativas sobre o tema, eis que se tem que não será ao dado ao Magistrado fazer controle de ofício sobre conveniência ou oportunidade do negócio entabulado21 contendo em certa medida, arroubos de ativismo, assim como também não poderiam as partes dispor sobre o modo como atuará o juízo22.

O Enunciado 133 do mesmo Foro de Processualistas já acenava no sentido de que os negócios jurídicos processuais, salvo previsão legal expressa23, não se sujeitam a homologação apenas admitindo o excepcional controle judicial dentro das exceções estritas lançadas na norma, em situação que restou confirmada pelo mesmo Superior Tribunal de Justiça24.

Há precedentes, inclusive, no sentido de que a calendarização processual não dependeria de homologação judicial25 tal calendário processual, via de regra (artigo 191 CPC) não pressuporia nem mesmo a admissibilidade de autocomposição26.

Não se pode, nesses calendários, estabelecer que tal ou qual juízo será o competente antes da demanda, isso seria ferir de morte o princípio do Juiz Natural gerando nulidade absoluta – fraudes poderiam acontecer às escâncaras.

Nesse sentido, o calendário processual deveria ser realizado somente após surgido o litígio eis que aí o Juiz Competente poderia aderir ou não a ele (só pode se recusar a aderir se houver fortes razões justificadas e motivadas sob pena de violação ao dever de cooperação que se aplica a todos os sujeitos do processo, inclusive os sujeitos imparciais – mas no ambiente de um Poder Judiciário completamente azafamado pelo excesso de serviço e pelas dificuldades de estrutura – parece ser fácil encontrar causa jurídica válida para a não adesão ao calendário processual).

Em sentido contrário, no entanto, mas como é voz isolada não creio que esse entendimento prevaleça, tem-se o entendimento de Fernando Gajardone em sua Teoria Geral do Processo, no sentido de que pode haver um calendário processual firmado antes do litígio, desde que, nesse caso, as partes tomem a cautela de, ao formularem o calendário, já obtenham a homologação judicial do mesmo, o que fixaria a competência para o julgamento futuro em caso de litigio.

Essa a dificuldade de se estabelecer um calendário processual na acepção do artigo 191 CPC, mas isso não impede que as partes modifiquem os prazos ou a forma de praticar os atos processuais – por exemplo, pode-se pensar num negócio processual em que as partes se obriguem a comparecer em cartório extrajudicial, nos vinte dias após o protocolo da ação, acompanhadas de seus advogados - sem o contraditório efetivo haveria nulidade insanável - e testemunhas para que seja lavrada ata notarial de tomada de depoimentos, o que impedirá, por exemplo, a oitiva das testemunhas em juízo (com vantagem de tempo para a estabilização da prova oral), inclusive estabelecendo os valores a serem desembolsados em tal diligência e a situação de preclusão para a parte que não se submeter a isso – seria uma das possíveis formas criativas de se estabelecer um calendário processual por via transversa.

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São frequentes negócios jurídicos processuais que alteram o modo de contar os prazos, fixando, por exemplo, dias corridos27, ou incluindo sábados, domingos e feriados. Por vezes até se fixa o prazo em horas – o que, se não for feito para suprimir defesa mas pela peculiaridade do negócio (por exemplo, práticas internacionais) não parece gerar nulidades ou atrair controle judicial.

Muitos doutrinadores, no entanto, apontam no sentido de que, nem mesmo assim (a matéria não é pacífica por que outros discordam – ex. Fernando Gajardone), haveria a possibilidade, em casos de fixação de um calendário processual, de restrição da designação de audiência de instrução eis que o Juiz resta dotado de poderes instrutórios (artigo 370 novo CPC) o que implicaria em dizer que mesmo as partes tendo colhido suas provas orais por atas notariais, ainda assim o Juiz poderia marcar audiência para ele próprio ouvir tais testemunhas e poder perguntar o que julgar adequado (Daniel Amorim, p. 322).

Quanto às ressalvas que podem ser opostas como defesas a um negócio jurídico dessa natureza, fora a ideia de que o direito seria intransigível ou de transigibilidade limitada sem cautelas adequadas, poderá invocar sua invalidade como nulidade (e não como mera anulação como tendência da jurisprudência) quando houver abusividade.

Mas ainda há que se apontar alguns aspectos – essa seria uma regra para firmar uma desnecessidade prima facie de tal homologação para negócios jurídicos firmados de modo extrajudicial – isso, obviamente, não se aplicaria a casos em que, uma vez já firmado um processo em curso, as partes se componham e peçam ao Magistrado que homologue o acordo (pois, com todo o respeito isso tornaria mais gravoso discutir sua validade em princípio e não se poderia admitir um verdadeiro ato de non liquet em tal situação)28 ou por vezes, as próprias partes, como condição do verdadeiro negócio (e nada impede que o façam) de modo expresso, já conhecendo o histórico uma da outra, coloquem cláusula condicionando a eficácia a uma homologação em sequência ou futura (por exemplo, como elemento acidental do negócio processual29).

Ainda, e para além da questão de uma homologação que a priori não se faz necessária, mas sobre o controle que o Magistrado possa exercer de modo excepcional sobre as cláusulas tem-se a impressão de que se delineia uma situação de aplicação da parêmia latina legislator dixit minus quam volit – o legislador disse menos do que queria dizer em tradução literal e livre – no mínimo não se atendeu para uma tecnicalidade estrita.

Isso porque, via de regra, a expressão nulidade implique em um termo técnico específico que não englobaria a anulação (malgrado certos segmentos a utilizem como gênero: nulidades absolutas x nulidades relativas). A priori, num purismo técnico de termos específicos, a nulidade seria matéria de ordem pública30 passível de análise ex officio31 pelo Juiz – são inclusive imprescritíveis (as anulações não) – mas o Enunciado nº 132 FPPC parece ter se inclinado no sentido de que a expressão nulidade tenha sido empregado na acepção genérica (gênero) eis que o juiz poderia ter poderes para analisar não apenas o que seria absolutamente nulo (logo matéria própria de uma cognição ex officio) mas igualmente poderia avaliar e fazer o controle de causas de anulação.

Vale lembrar que, nos termos dos Enunciados 06 e 16 do Fórum Permanente de Processualistas Civis - FPPC, tem-se que, em primeiro lugar, os negócios jurídicos processuais não podem se afastar dos deveres inerentes à boa-fé ou à cooperação (muito relevante se torna nesse sentido a questão dos deveres anexos, satelitários ou laterais de um negócio jurídico), sendo certo, no entanto, que o controle dos requisitos de validade deve ser conjugado com a regra de acordo com a qual não haverá nulidade sem prejuízo.

E, sob tal perspectiva e tendo em vista que causas de anulação também compreendem a possibilidade do controle judicial (nesta prevalência do Enunciado 132 FPPC), conceitos elásticos como dolo e lesão (e todas as situações do artigo 171 CC) passam a ser passíveis de um controle ex officio – existindo aí a possibilidade de se englobar a teoria dos atos próprios que atingem a validade das avenças pela ilicitude – artigo 187 CC32.

E por uma questão de interpretação sistêmica – um negócio jurídico revela uma transação – ou seja, a ideia de concessões recíprocas – parece adequada e pertinente a orientação descrita no Enunciado 134 FPPC, que revela a ideia de que os negócios processuais não possam ser invalidados parcialmente – isso porque, se apenas os excessos forem decotados – os mesmos dependendo de interpretação, algumas vezes subjetiva, poderiam justamente ter efeito perdido em parte que se concordou abrir mão a troca de outra vantagem – de modo que melhor parece preservar prelados de eticidade (como a compreendia Karl Larenz) que o negócio ou valha por inteiro ou se anule por inteiro.

Quanto à questão de controle sobre inserção abusiva de cláusulas em contrato de adesão ou contrato em que alguma parte se encontre em manifesta situação de vulnerabilidade – observe-se aqui que o legislador inseriu um adjetivo – manifesta – o que, certamente seria um critério de exegese.

Corretamente se tem que não seria qualquer vulnerabilidade (até porque muito dificilmente se terá dois contratantes iguais e há muitos critérios de aferição de uma vulnerabilidade).

Num primeiro momento, se fosse dado um caráter de contrato paritário escapar-se-ia do primeiro obstáculo, mas se correria o risco de cair no segundo obstáculo (vulnerabilidade) que pode ser aplicado tanto a contratos paritários como de adesão – a vulnerabilidade, no entanto, deve ser grande (Cláudia Lima Marques, por exemplo, em seu clássico Contratos no Código de Defesa do Consumidor aponta várias possibilidades de alguma vulnerabilidade poder atrair a proteção do CDC – técnica33, econômica, jurídica34, informacional, básica etc – conceitos que hoje estão muito em voga pela discussão da incidência da teoria do chamado finalismo aprofundado ou mitigado).

Em relações de consumo, se tem que sempre se pressupõe a vulnerabilidade que são aptos a comprometerem negócios jurídicos processuais em tais condições35.

Aliás, num ambiente em que se busca a constitucionalização dos negócios jurídicos de base privada, pareceria contrassenso que se admitisse que negócios jurídicos processuais possam, por exemplo, ser contrários a direitos humanos, ou a direitos fundamentais, aqui se abrindo um parênteses para cuidar de modo mais próximo da ideia do princípio da dignidade da pessoa humana e do princípio da solidariedade social36 (artigo 3º e seus consectários CF) com os subprincípios da conjunção de ambos decorrentes (socialidade, eticidade, operabilidade e concretude).

A ideia de controle de vulnerabilidades manifesta se aproxima da ideia de um controle pela isonomia (igualdade formal) – o conceito platônico de se tratar desigualmente os desiguais, na medida de sua desigualdade para igualá-los (isso é muito mais profundo do que a visão oitocentista da igualdade meramente formal em que todos são apenas iguais perante a lei).

Tal isonomia se presta de ponto de partida para o desenvolvimento deste conceito de operabilidade (também chamada operatividade) que seria o desenvolvimento de teoria de vulneráveis e hipervulneráveis, enquanto pessoas que estariam em patente vulnerabilidade em quaisquer tipos de negócios jurídicos em que se envolvam desde que, no outro polo também não se encontre um hipervulnerável (aí tem-se as pessoas em estado de miserabilidade, analfabetas ou de baixa escolaridade, idosos, deficientes – aí se englobam todos os tipos de deficiência – artigo  LBI – Lei nº 13.146/15 - deficiência física, mental, intelectual e sensorial).

Com isso, inclusive, cumprem-se prelados desta operabilidade levando a que se atinja e cumpra a concretude (proteções legais e normativas devem ser concretas, não podem ser esvaziadas por atos ladinos que busquem retirar-lhes o efeito) devendo o negócio jurídico processual estar em sintonia com o novo direito privado despatrimonializado e repersonificado – tal como preconizado como autores como Nelson Rosenvald e Christiano Chaves de Farias (Direito Civil – Teoria Geral – Ed. Lumen Juris).

Como exemplo se tem questões a serem interpretadas – eis que há possibilidade de se entabular negócios jurídicos processuais que tragam cláusulas de impenhorabilidade de dados bens37, como também aqueles que estabeleçam que determinados bens possam ser penhorados38, mas certos fatores, como a circunstância de um idoso vulnerável abrir mão de proteção de impenhorabilidade, podem levar a um controle que não se faria, no caso de uma pessoa não idosa (por exemplo, a luz de normas como o artigo 37 EIDO).

No mesmo sentido, valeria a pena consignar que, nos termos do disposto no Enunciado nº 18 FPPC “há indício de vulnerabilidade quando a parte celebra acordo de procedimento sem assistência técnico-jurídica”.

Que se compreenda que o advogado não seria condição de existência, validade ou eficácia de um negócio jurídico processual, mas a sua ausência pode ser fator preponderante sobretudo em casos em que, como se dá em Juizados, uma das partes esteja assistida por advogado e a outra não, ou mesmo quando se perceba que o negócio contou com a elaboração de um patrono que não obstante não o tenha assinado, o confeccionou materialmente.

Recomenda-se, portanto, por cautela que o outro contratante esteja assistido por advogado, ou, ao menos, que se possa assinar algum termo no sentido de que se recomendou ao contratante buscar orientação de um advogado antes de assinar o contrato, convém, ainda estabelecer pequenos glossários sobre termos técnicos esclarecendo o sentido e alcance de determinadas cláusulas ou descrevê-las de modo didático (como o fazem as seguradoras nos seus contratos de adesão) para fugir de vulnerabilidade técnica ou organizacional.

Embora alguns autores entendam que em caso de falecimento da parte que ajustou cláusula em negócio jurídico processual haveria nulidade da avença, em face da regra do artigo 426 CC que proíbe transações com herança de pessoa viva (Fernando Gajardone e Flávio Tartuce), o que seria mais uma cautela em relação à aceitação de bens de idosos como garantias ou penhoras em negócio jurídico processual, o fato é que existe Enunciado (nº 115) do Fórum Permanente dos Processualistas Civis, no sentido de que os negócios jurídicos processuais vinculam herdeiros e sucessores.

Flávio Tartuce, inclusive, aponta uma definição para esta hipervulnerabilidade do artigo 190 CPC – no sentido de cuidar-se de limitação pessoal involuntária de caráter permanente ou provisório, ensejada por fatores de saúde, de ordem econômica, informacional, técnica ou organizacional.

Da mesma forma, se bem articulado o sistema, por exemplo, estabelecer-se também como negócio processual no mesmo instrumento a proibição de deferimento de efeito suspensivo à apelação, pressuposto lógico da execução provisória, não parece haver vedação ao estabelecimento da desnecessidade de prestação de caução para execuções provisórias. Convém, no entanto, que tudo isso seja estabelecido como via de mão dupla (em favor de ambas as partes) para evitar o controle judicial sob a perspectiva da inserção abusiva em contrato de adesão (se estabelecido para ambas as partes, não há abusividade).

Nesse sentido, aponta Daniel Amorim: “Um bom indício de que o negócio jurídico é válido é a previsão de regras isonômicas, que tratem o aderente e o responsável pela elaboração do contrato da mesma forma” In op. Cit., p. 327.

Uma outra forma de evitar possíveis dissabores estaria na expressa previsão, por exemplo, de que em caso de cumprimento de sentença ou execução provisórios se aceitará a caução fidejussória (meramente pessoal) de um dos contratantes, sem necessidade de se prestar caução real (em bem ou dinheiro), por exemplo em questões de locação. Não haveria abusividade nisso. A execução estaria caucionada e não há nulidade em efetivo prejuízo como pontuado linhas acima.

A possibilidade de foro de eleição negocial é perfeitamente possível nas situações de competência relativa (artigo 63 CPC – como dito acima, isso é negócio jurídico processual típico, já expressamente previsto pelo novo diploma legal), não se poderá, no entanto, alterar situações de competência absoluta (ratione materiae e ratione personae).

Nesse sentido, inclusive, o Enunciado 20 – não são admissíveis modificação de competência absoluta e supressão da primeira instância. Sobre este último tópico, o TJMG aprovou um Enunciado admitindo a supressão da segunda instância (e como o esgotamento desta é pressuposto para acesso ao STJ e STF a demanda seria julgada em única instância).

Vale ainda apontar que o STJ somente reconhece situações de nulidade foro de eleição se ficar comprovada a dificuldade de acesso à Justiça ou se houver reconhecida hipossuficiência de uma das partes ((STJ – Edcl no AgRg no REsp 878757/BA – Isabel Gallotti, 01.10.2015), exigindo-se, no entanto, manifesta abusividade para se anular de ofício uma cláusula de eleição de foro (STJ – Resp 1.306.073/MG, Rel. Nancy Andrighi, 20.08.2013 - muito provavelmente vão continuar seguindo nesta direção).

Pode-se, ademais, como modo de dar ênfase e diminuir ou esvaziar o caráter manifesto a que se fez menção, fazer constar do termo de negócio jurídico processual que os contratantes foram orientados no sentido de entender demandas seriam possíveis somente naquele foro e que entendem que não há restrição ao seu acesso à Justiça ou que não se julgam sem potencialidade econômica para demandarem em tal lugar. Isso acrescido à cautela de que foram orientados a procurar advogados pode restringir muito as possibilidades de anulação de um negócio desta natureza.

Não parece, ademais, ser medida de boa prudência, por conta de se cuidar de regimes jurídicos peculiares, que se faça inserir cláusulas que tendam a tornar estáveis e imutáveis fatores processuais que possam variar no tempo – o que seria indício de abusividade, por exemplo, impedir em qualquer tempo que se busque gratuidade de Justiça (direito fundamental para quem o busque – artigo 5º, LXXIV CF que oscila no tempo a luz das necessidades de quem possa pedir – inclusive pessoas jurídicas – artigo 99 CPC e Súmula 481 STJ) ou que não se possa, em hipótese alguma discutir matérias atinentes a desconstituição por fatos novos etc.

A pré-fixação de indenização por litigância de má-fé, e até mesmo a tipificação de algumas condutas como litigância de má-fé se revelam como possíveis pelo negócio jurídico processual (para evitar alegação de inserção abusiva em contrato de adesão seria de bom tom fixar tais situações como vias de mão dupla – para ambas as partes – com isso a possibilidade de controle judicial diminui sensivelmente). Veja-se a respeito o teor do Enunciado nº 17: As partes podem estabelecer outros deveres e sanções no caso de descumprimento da convenção.

No mesmo sentido, o Enunciado nº 19 admite acordo de rateio prévio de despesas processuais (a par de outras condutas como pacto de impenhorabilidade, acordo de ampliação de prazos de qualquer natureza, dispensa consensual de assistentes técnicos, acordo para retirar efeito suspensivo de apelação e acordo para não promover execução provisória).

O Enunciado 21 complementa esse rol asseverando expressamente a admissibilidade de negócios jurídicos processuais que estabeleçam direito de sustentação oral (fora dos casos legais, obviamente), ampliação do tempo de sustentação oral, julgamento antecipado da lide consensual, convenção sobre prova e redução de prazos processuais.

Há enunciados da ENFAM que também são relevantes (Escola Nacional de Magistrados) como os que estabelecem como válidos os pactos de disponibilização prévia de documentos (disclosure) estabelecendo sanções para quem os descumprir.

Assim, pode-se estabelecer que devedores sejam obrigados, em dado prazo, a disponibilizar todos os documentos necessários à execução sob pena de arcarem com pena pecuniária, seja na forma de astreinte, seja na forma de ato próprio de litigância de má-fé (ou ambas cumuladas – tanto a ENFAM quanto o Fórum Permanente admitem tal possibilidade).

A ENFAM tem posicionamentos pontuais como a nulidade de negócios que admitam utilização de prova ilícita, limitem a publicidade dos atos processuais ou limitem os poderes e deveres do Juiz.

Aliás, a convenção sobre prova e distribuição de seus ônus é matéria antiga, eis que já prevista no próprio CPC/7339 (muito pouco utilizada – artigo 333, par. Único), não parecendo haver muita controvérsia a esse respeito. De igual modo, não parece haver óbice para um negócio jurídico processual que assegure a possibilidade de emenda ou alteração do pedido e da causa de pedir até o saneamento40.

Algumas cautelas, no entanto, devem ser observadas. Como o exige a redação do próprio artigo 190 CPC as alterações devem estar em sintonia com as peculiaridades da causa – algo que seja específico ao negócio deve legitimar tais alterações, por exemplo, move-se despejo e o locatário desocupa o imóvel, pode-se permitir a alteração do pedido para prosseguimento como simples cobrança - o contrato é o mesmo, mas a situação fática mudou autorizando alteração do pedido e da causa de pedir. Isso influiria no lapso de fixação das estabilidades processuais.

Pode-se mesmo, se estabelecer, por exemplo, em locação de shopping center, que um stand possa ser imediatamente removido da área interna do shopping se ultrapassado o prazo de notificação para a desocupação, sem direito à indenização pelo que foi retirado. Isso é da peculiaridade do negócio (se houver previsão em negócio jurídico processual evitam-se dissabores na esfera penal como, por exemplo, o crime de exercício arbitrário das próprias razões – artigo 345 CP).

De igual sorte, deve-se estabelecer, sob pena de nulidade absoluta, que exercida a faculdade de alteração do pedido e da causa de pedir, garantir-se-á o exercício da complementação do direito de defesa em relação a tais alterações, por exemplo, nos quinze dias subsequentes à intimação da alteração, sem necessidade de designação de audiência de mediação e conciliação41.

Pode-se, até mesmo, estabelecer, por exemplo, uma cláusula no sentido de que eventuais defesas heterotópicas (defesas sem embargos, por ações autônomas, como aponta Alberto Camiña Moreira) sejam destituídas de efeito suspensivo. Sobre renúncia e desistência de recurso (matérias previstas nos artigos 998 e 999 CPC) vale apontar que não se pode suprimir a 1ª instância (e isso é natural pois lá se realizarão as provas, como regra), não se podendo estabelecer que a causa será julgada originariamente no Tribunal (isso seria, ademais, mudar-se competência absoluta o que é proibido).

Mas não há vedação para que se estabeleça situação de desistência de recurso (mas isso não pode ser feito de modo unilateral ou será entendido como inserção abusiva em contrato de adesão – deve ser estabelecido como situação de mão dupla ou seja, abrangendo ambas as partes).

A renúncia, por sua vez, é ato unilateral de cada parte, de modo que, cada uma, se assim julgar adequado, poderá fazê-lo dentro de sua esfera de disponibilidade do direito (no julgamento da ADIN da lei de arbitragem, inclusive, se estabeleceu que as renúncias a recurso quanto ao mérito da decisão por aqueles que aderissem ao juízo arbitral não seriam inconstitucionais – prevalece, mesmo, o entendimento no sentido de que o duplo grau obrigatório de jurisdição não seria garantia constitucional – nem implícita nem explícita – sobre o tema STF – RO – Pleno – HC 79785-7/RJ – Rel. Min. Sepúlveda Pertence).

Outro detalhe, nos termos do Enunciado 492 FPPC (“O pacto antenupcial e o contrato de convivência podem conter negócios processuais”) nada impediria que, em um pacto de constituição de união familiar já se disponha sobre regras a serem empregadas em caso de litígios do casal – não necessariamente sobre extinção (separação, divórcio – embora aqui também exista margem para tanto), mas por exemplo, sobre eventuais demandas de exigir contas entre os cônjuges e companheiros, em torno de administração de patrimônio ou empresas e empreendimentos conjuntos ou de cada qual, situações de preferência para nomeação de curador em caso de necessidade de curatela (situação mais ou menos comum em famílias mosaicos em se tem um grupo de filhos que não concorde que o novo companheiro fique a cargo de administração, por exemplo) e por aí vai,

Existe até mesmo a possibilidade de um saneamento consensual, o que vale para um negócio processual de julgamento antecipado, resta como negócio típico, nos termos do artigo 357, par.2º novo CPC como apontado linhas acima, de igual modo, ampliações de prazo restam sempre como possíveis (Enunciado 19) e evitam alegação de nulidade por falta de prejuízo processual efetivo.

Precedente interessante admitiu a possibilidade, por negócio jurídico processual, de cumulação de ritos incompatíveis numa mesma demanda42 – ideia muito adequada a luz de prelados de celeridade e economia processuais – bem como para atender ideais de tempo razoável de duração de um processo.

Por outro lado, e vulnerando a ideia de que ninguém possa aceitar coisa diversa da ajustada, ainda que mais valiosa, se tem entendimento fundado em pragmatismo que foi no sentido de que como o negócio jurídico processual não vedou expressamente a moratória processual – essa não poderia ser negada no cumprimento de sentença43.

Por fim, vale apontar que doutrinadores tem apontado algumas situações que, mesmo não expressas em lei ou nos Enunciados podem implicar em situações de nulidade de negócios jurídicos processuais, como, por exemplo, criar recursos não previstos em lei ou ampliar hipóteses de cabimento além do texto legal (por exemplo estabelecer como agravável de instrumento algo não incluído no artigo 1.015 CPC), estabelecer preferências de julgamento que não existem em lei, criar novas hipóteses de ações rescisórias, dispensa de presença de litisconsortes necessários, dispensar-se citação (gerando ônus para o outro contratante de acompanhar distribuições processuais) ou abaixar o percentual de preço vil para fins de expropriação44 – tudo isso em nome da vedação de abuso no princípio de autorregramento processual das partes.

Sobre o autor
Julio César Ballerini Silva

Advogado. Magistrado aposentado. Professor da FAJ do Grupo Unieduk de Unitá Gaculdade. Coordenador nacional dos cursos de Pós-Graduação em Direito Civil e Processo Civil, Direito Imobiliário e Direito Contratual da Escola Superior de Direito – ESD Proordem Campinas e da pós-graduação em Direito Médico da Vida Marketing Formação em Saúde. Embaixador do Direito à Saúde da AGETS – LIDE.

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