Inconstitucionalidade da prisão do Secretário de Segurança Pública do DF

12/05/2023 às 11:01
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I - INTRODUÇÃO

Na data de 10/01/2023, deu-se a prisão preventiva de Anderson Torres, Secretário de Segurança Pública do Distrito Federal, renomeado em 02/01/2023, pelo Governador do DF, Ibaneis Rocha, em atendimento a um pedido formulado pelo Diretor-Geral da Polícia Federal, oportunidade em que o ministro do STF, Alexandre de Moraes, determinou a prisão preventiva do referido agente político, além do coronel Fábio Vieira, comandante da Polícia Militar do DF.

II – DOS FATOS

Vale ressaltar que, embora exista um despacho do então Presidente Jair Bolsonaro, datado de 27/12/2022, confirmando que Anderson Torres estaria de férias só a partir do dia 09/01/2023 e assim mesmo viajou para os Estados Unidos, encontrando-se fora do Brasil no dia 08/01/2023, data da invasão e depredação dos prédios dos Três Poderes.

Porquanto, com base no IPL nº 4879-STF, que apura atos tidos como antidemocráticos, onde são apontadas omissões, em tese, dolosas, perpetradas pelos responsáveis pela segurança pública do DF, e que contribuíram, segundo a decisão judicial, para a prática dos atos terroristas de 8 de janeiro de 2023.

III – CURRICULUM VITAE DE ANDERSON TORRES

Segundo o curriculum vitae de Anderson Torres, é formado em Direito pelo CEUB, especializando-se em Ciência Policial, Investigação Criminal e Inteligência Estratégica pela Escola Superior de Guerra (ESG). Ex-professor da Academia de Polícia Civil de Roraima; da Academia da PM do DF; e da Academia Nacional da Polícia Rodoviária Federal.

Na carreira policial, assumiu o cargo de papiloscopista da Polícia Civil do DF e em 2003 sucedeu ao cargo de Delegado de Polícia Federal. Na política, dentre outras funções, foi secretário de segurança pública no período de 2019 a 2021. Na data de 29/03/2021, foi indicado pelo Presidente Jair Bolsonaro para o cargo de Ministro da Justiça e Segurança Pública, tomando posse na data seguinte. E, finalmente, foi renomeado para exercer o cargo de secretário de segurança pública do DF, pelo então governador Ibaneis Rocha.

IV – DO DESPACHO DECISÓRIO DE MORAES

No pertinente a decisão de Alexandre de Moraes, ressaltou que, “A existência de uma organização criminosa, cujos atos têm ocorrido regularmente há meses, inclusive no Distrito Federal, é um forte indício da conivência e da aquiescência do Poder Público com os crimes cometidos, a revelar o grave comprometimento da ordem pública e a possibilidade de repetição de atos semelhantes caso as circunstâncias permaneçam as mesmas”.

Ademais disso, enfatizou a omissão e conivência de diversas autoridades da área de segurança e inteligência, que ficaram demonstradas pela ausência do necessário policiamento, em especial do comando de choque da PMDF. Salientou, também, a inércia do encerramento do acampamento “criminoso” na frente do QG do Exército, mesmo depois de ser constatado que havia terroristas no local e que tiveram suas prisões temporárias e preventivas decretadas.

E, finalmente, o ministro Alexandre discorreu que, nada justifica a omissão e a conveniência do então secretário de segurança pública do DF e do comandante-geral da PM/DF, uma vez que, no seu entendimento, as omissões dessas autoridades foram detalhadas e narradas na representação da Polícia Federal, que justificam a decretação da prisão como garantia da ordem pública, além da determinação do mandado de busca e apreensão contra os investigados.

V – DA ANÁLISE JURÍDICA

Diante dos substratos fáticos precitados, passo a analisá-los juridicamente com base na legislação constitucional e infraconstitucional, senão vejamos:

A nossa Carta Fundamental de 1988, em seus textos normativos, tratam da competência originária dos órgãos do Poder Judiciário, com a previsão do denominado foro por prerrogativa de função, conforme bem leciona o mestre Tourinho Filho, in verbis:

“(,,,) há pessoas que exercem cargos de especial relevância no Estado, e, em atenção a esses cargos ou funções que exercem no cenário político-jurídico da nossa Pátria, gozam elas de foro especial, isto é, não serão processadas e julgadas como qualquer do povo, pelos órgãos comuns, mas pelos órgãos superiores, de instância mais elevada”. (Processo Penal, vol. 2. 30ª ed. São Paulo: Saraiva, 2008, pág. 135).

Neste sentido, no campo de atuação do STF, o legislador constituinte previu no artigo 102, inciso I, alíneas “b” e “c”, a competência para julgar as infrações penais comuns e os crimes de responsabilidade do Presidente da República e do Vice-Presidente; os membros do Congresso Nacional dos Ministros de Estado e os Comandantes das Forças Armadas. Enquanto que ao STJ, tem sua competência para processar e julgar os crimes comuns, os governadores dos Estados e do DF; os desembargadores dos Tribunais de Justiça, (...) e os membros dos Tribunais de Contas dos Estados, dentre outros.

Vale relevar que, preliminarmente, a Constituição Federal de 1988, prevê de forma expressa, em seu artigo 109, que compete à Justiça Federal conhecer dos crimes políticos e as infrações penais praticadas em detrimento de bens. Serviços ou interesse da União ou de suas entidades autárquicas ou empresas públicas, (...), dentre outros, nos termos infra:

“Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar: (Emenda Constitucional nº 45, de 2004).

“(...)”.

“IV – os crimes políticos e as infrações penais praticadas em detrimento de bens, serviços ou interesse da União ou de suas entidades autárquicas ou empresa públicas, excluídas as contravenções e ressalvada a competência da Justiça Militar e da Justiça Eleitoral”.

Na hipótese de investigações que recaem sobre a pessoa indicada para ocupar o cargo de Secretário de Estado, certamente caberiam as “infrações penais praticadas em detrimento de bens, serviços ou interesses da União”.

Dessa forma, a priori, há possibilidade de afirmar que, mesmo que as Constituições Estaduais, no geral, e a Constituição do Estado em que se deu o fato, prevejam o julgamento de Secretários de Estado por meio do Tribunal de Justiça. Porquanto, essa previsão não deve ser estendida aos casos em que estejam sendo investigados crimes que a Constituição Federal determina que sejam processados e julgados pela Justiça Federal.

Ademais disso, levando-se em conta a premissa de que a Constituição Estadual não lhe permite alterar os parâmetros definidos na competência material, previstos na Constituição Federal vigente, excluindo da Justiça Federal a competência para julgar infrações penais lesivas ao interesse da União. Assim sendo, vale perquirir sobre a previsão de foro por prerrogativa de função, em lei estadual, tem a faculdade de ampliar os casos de competência originária dos Tribunais Regionais Federais, para neles inserir os Secretários de Estado, quando investigados pela prática dos crimes previstos no artigo 109 da CF/88.

Neste caso, contudo, a situação é diversificada, quando em análise da situação jurídico-processual envolvendo os Secretários de Estado, haja vista a inexistência de dispositivo constitucional tratando da necessidade de que sejam assegurados o foro por prerrogativa de função, disciplinado de forma integral e prevista no bojo das Constituição Estaduais. Assim sendo, cumpre perquirir sobre a possibilidade, em face de previsão constante em norma estadual, seja inserida a hipótese de competência originária dos Tribunais Regionais Federais, não prevista na Magna Carta de 1988?

Em nosso entendimento, certamente, a resposta é negativa, tendo em vista que os casos de competência originária dos Tribunais Regionais Federais estão, de forma cristalina, previstos no artigo 108 da CF/88, não havendo qualquer tipo de ressalva, autorizando que outras situações possam ser inseridas.

Por outra monta, é cediço que os ocupantes de cargos de Secretário de Estado, por conseguinte, não gozam de foro por prerrogativa de função, quando da apuração de crimes federais, de competência absoluta da Justiça Federal Comum de Primeiro Grau.

De efeito, a Carta Política vigente prevê a competência da Justiça Federal, o julgamento dos crimes previstos no artigo 109, incisos I usque XI, da CF/88, enquanto que os dispositivos da Constituição Estadual não podem alterar essa previsão constitucional. Ademais, não há preceito normativo que admita ampliar, além da previsão constante do artigo 108 da CF/88, no âmbito de competência dos Tribunais Regionais Federais.

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Em suma, como já comentado em alhures, sobre o direito de alguns agentes públicos de obterem o foro por prerrogativa de função, deve ser encarado como situações excepcionais, cuja interpretação deva ser tida como restritiva, e nunca extensiva, como poder-se-ia exigir para os Secretários de Estado, investigados pela prática de crime federal, fossem processados e julgados em âmbito de segundo grau.

Destarte, vislumbra-se que a ordem prisão preventiva, emanada do ministro Alexandre de Moraes do STF, contra o então Secretário de Segurança Pública do DF e do Comandante-Geral da Polícia Militar do DF, é totalmente inconstitucional, como acima explanado, competindo a Justiça Comum Federal conhecer, apurar e julgar os aludidos substratos fáticos.

Ademais disso, não há que se perquirir sobre a data do ingresso de férias do Secretário de Segurança Pública do DF, Anderson Torres, tratada por despacho do então Presidente da República, Jair Bolsonaro, uma vez que Anderson Torres já havia sido exonerado do cargo de Ministro da Justiça e Segurança Pública, e reassumindo na data de 02/01/2023, o cargo de Secretário de Segurança Pública do DF, pelo governador reeleito Ibaneis Rocha, não havendo impedimento de deixar o país, para gozo de férias, em data antecipada, desde que tenha havido consenso de sua pasta ou do próprio governador.

Por conseguinte, a grande relevância para descaracterizar a imputação atribuída ao Secretário de Estado é de que este já não mais se encontrava no Brasil e, destarte, já havia passado as suas atribuições ao seu substituto eventual, no cargo de Secretário de Segurança Pública, a quem compete responder pelo encargo até o retorno do seu titular.

De efeito, vale conferir que, diante dessa inconstitucionalidade, proveniente dessa decisum aberrante, em imputar a responsabilidade de um agente público, com base em mera presunção, combinada com a vontade compulsiva de perseguição dirigida ao Presidente Jair Bolsonaro e a seus adeptos, configura-se o crime de abuso de autoridade e de poder, previsto no artigo 9º, parágrafo único, e incisos I, II e III, da Lei nº 13.869, de 2019.

Ademais disso, verifica-se a presença da prática, em tese, dos crimes de responsabilidade, previstos no artigo 39, itens 2 a 5, da Lei nº 1.079, de 1950, verbis:

Art. 39. São crimes de responsabilidade dos Ministros do Supremo Tribunal Federal:

1 – (...).

2 – proferir julgamento, quando, por lei, seja suspeito na causa;

3 – exercer atividade político-partidária;

4 – ser patentemente desidioso no cumprimento dos deveres do cargo;

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5 – proceder de modo incompatível com a honra, dignidade e decoro de suas funções.

Vale aqui ressaltar alguns preceitos legais da lei em análise, iniciando-se com a previsão do artigo 41 da lei, admitindo que todo cidadão possa denunciar perante o Senado Federal, os membros do Supremo Tribunal Federal e o Procurador Geral da República, pela prática dos crimes de responsabilidade que cometerem, nos termos dos artigos 39 e 40 da Lei nº 1.079, de 1950.

Neste sentido, é cediço que os crimes de responsabilidade cometidos por agentes políticos, cujas condutas são classificadas com este tipo de crime, onde eles estarão sempre susceptíveis ao denominado impeachment.

VI – FONTE DE CONSULTA

- Constituição Federal de 1988 – Leis Infraconstitucionais – Consultor Jurídico – 14/06/2016 – Conrado Almeida Corrêa Gontij - Site do STF- 10/01/2023.

Sobre o autor
Jacinto Sousa Neto

Advogo nas área de direito civil, trabalhista e em procedimentos administrativos (sindicância e processo administrativo), além disso sou escritor e consultor jurídico.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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