A violência doméstica e o artigo 334 do CPC/15 nas ações de Direito de Família

Leia nesta página:

As “exceções processuais” são, a um tempo, malícia dos advogados, para tornar mais difícil e fatigante amissão do juiz, e a demonstração do respeito pela saúde do magistrado, que é preciso ajudar a não se cansar.

Receio o juiz que tem demasiada confiança em si, que rapidamente chega à conclusão e que compreende tudo desde as primeiras palavras, sem perplexidades nem arrependimentos.

Para usar da terminologia militar, parece-me que o advogado é, no processo, por sua rapidez e por seu espírito combativo, uma espécie de soldado de um batalhão de caçadores sempre nas primeiras linhas. O juiz, dada a solidez tranquila e um tanto pesada do seu raciocínio, esse deve comportar-se como um ...reservista.

Um dia, no campo, vi um garoto cortar as longas antenas de um desses coleópteros que os entomologistas chamam de “escaravelho longicórneo”. Em seguida, colocou-o à beira da estrada para observar, com aquela impiedosa curiosidade das crianças, como o inseto mutilado evitaria os perigos. Privado dos órgãos de orientação e de exploração, o pobre bicho levantava-se desesperadamente sobre as patas, desequilibrava-se e caía de costas; com a menor tentativa para andar, ia esbarrar com uma ervazinha e tanto bastava para capotar.

Este pequenino quadro vem sempre à minha memória quando penso o que seria do processo se, como alguns pretendem, se suprimissem os advogados, essas supersensíveis antenas da justiça. No juiz, a inteligência não conta. Basta que seja normal e que ele possa chegar a compreender, encarnação do homem médio, quod omnes intelligunt.

O que principalmente conta é a superioridade moral, que deve ser tamanha a ponto de poder perdoar o advogado por ser mais inteligente do que ele. O advogado que se queixa de não ser compreendido pelo juiz não se queixa do juiz, mas de si mesmo. O juiz não tem o dever de compreender: é o advogado quem tem a obrigação de se fazer compreender. Dos dois, o que está sentado à espera é o juiz; o que está de pé, o que deve mexer-se e aproximar-se, mesmo espiritualmente, é o advogado.

Piero Calamandrei

“Eles, os juízes, vistos por nós, os advogados” traduzido por Ivo de Paula (São Paulo: Pillares, 2013)

Introdução

 No presente artigo, abordaremos a aplicação do artigo 334 do CPC/15 às Ações de Direito de Família, considerando suas particularidades, obstáculos existentes e o problema da obrigatoriedade da audiência em casos que envolvam violência doméstica. Na conclusão, proporemos duas alternativas a respeito. Para tanto, nossa reflexão se dará trazendo contribuições de Tartuce (2017), Nejaim & Hildebrand (2021), Carvalho (2021) e Parizotto (2018), com trabalhos em que tais questões são enfrentadas com perspectivas consoantes aos posicionamentos que defenderemos.

Afinal, o caput do art. 334 do CPC/15, na sua parte final, determina que o juiz designará audiência de conciliação ou de mediação, com o art. 334 possuindo 12 parágrafos. Mas a discussão recai, porém, sobre o art. 334 §4º, que dispõe que a audiência apenas não será realizada na hipótese do inciso I (“se ambas as partes manifestarem, expressamente, desinteresse na composição consensual”) ou na hipótese do inciso II (“quando não se admitir a autocomposição”). Ora, tais exceções não alcançam a grave situação enfrentada pelas vítimas de violência doméstica! Além de ser premente uma discussão sobre o art. 695 do CPC/15, em que a doutrina majoritária entende que sequer tais exceções (!) possam ser aplicadas às Ações de Direito de Família.

O que veremos a partir das contribuições das autoras consultadas é a importância do princípio constitucional da Dignidade da Pessoa Humana impedir ao juiz a revitimização de mulheres que foram vítimas de violência doméstica, inclusive nos termos do Enunciado n. 187 do FPPC, sendo inadequada em demandas com tais vítimas a designação automática de uma sessão inicial de autocomposição. As autoras também apontarão a divergência na doutrina sobre obrigatoriedade da audiência de conciliação em casos envolvendo violência doméstica, questionando a compatibilidade do procedimento previsto no CPC/15 com o princípio da Dignidade da Pessoa Humana, a Lei Maria da Penha e tratados internacionais de Direitos Humanos, reforçando que há corrente, ainda que minoritária, que justifica dispensa da conciliação, para que direitos da mulher sejam respeitados e devido ao comparecimento poder colocar em risco a integridade física e/ou psicológica da ofendida. Havendo audiência, dizem as autoras, que seja com conscientização do agressor, grupos reflexivos, encontros individuais e preparação das partes, entre outras sugestões. Afinal, como denunciam, a audiência de conciliação neste caso reforça as desigualdades de gênero em contextos de violência doméstica, havendo a excrescência de vítimas na mesma sala de espera, para tal audiência, ao lado de quem deveria estar a 100 metros dela (!).

O art. 334 do CPC/15 e Ações de Direito de Família: contribuições de Tartuce (2017), Nejaim & Hildebrand (2021), Carvalho (2021) e Parizotto (2018)

 

Tartuce (2017), em seu artigo Audiência consensual inicial, violência doméstica e empoderamento, explica que o escreveu a partir de uma decisão envolvendo uma vítima de violência doméstica. Sobre tal decisão – o acórdão do TJSP proferido no Agravo de Instrumento nº 2215265-68.2016.8.26.0000 SP, interposto contra decisão que designava audiência de conciliação ou mediação mesmo com a requerente manifestando desinteresse na sua realização para não sofrer revitimização – em que o recurso foi provido devido ao princípio constitucional da Dignidade da Pessoa Humana, cancelando a audiência através da concessão de liminar, Tartuce observa que o relator destacou que a agravante era vítima de violência doméstica e o encontro com o agravado lhe causaria constrangimento e abalo psicológico. Segundo ela, tal decisão se destaca por ser contraponto ao entendimento majoritário sobre haver obrigatoriedade de realização de audiências de conciliação em demandas familiares.[1]

Processualmente, Tartuce questiona se o desenho do legislador enseja a configuração de um procedimento especial, referindo-se à seção do CPC/15 que vai do art. 693 ao art. 699, que buscam, em suas palavras, fomentar o consenso e inserir algumas regras específicas a este tipo de demanda. Tartuce aponta que, entre os artigos 693 e 699 do CPC/15, consta a previsão de realização de audiência prévia de autocomposição, presente no procedimento comum, conforme ressalva a autora, mas havendo requisitos diferenciados referentes à citação e à ênfase no emprego do meio consensual.

Por tal razão, após discutir procedimento especial para ações de família no CPC/15 e o fomento ao consenso em litígios familiares – tendo havido aprovação, pelo FPPC, do Enunciado n. 187, que estabelece que, no emprego de esforços para a solução consensual do litígio familiar, são vedadas iniciativas de constrangimento ou intimidação para que as partes conciliem, assim como as de aconselhamento sobre o objeto da causa – a autora (TARTUCE, 2017) passa a tratar da “suposta obrigatoriedade” da designação da sessão consensual e de suas possíveis exceções, quando surge sua menção ao art. 334 do CPC/15, apontando que prevalece na doutrina o entendimento de que o art. 695 não dá margem para as exceções do procedimento comum para a sessão consensual inicial.

Por outro lado, o entendimento da autora se dá no sentido de que a expressão “se for o caso”, presente no art. 695 se refere à possibilidade de o juiz determinar a realização de sessão consensual apenas “se for o caso”. E Tartuce diz isso considerando o respeito à autonomia da vontade, indicando que a expressão “se for o caso” remete às exceções à realização da sessão consensual do art. 334, §4°, quais sejam: (a) desinteresse manifestado por ambas as partes quanto à composição consensual e (b) inadmissão da autocomposição. As duas exceções admitidas no procedimento comum. Entretanto, há situações apontadas pela autora em que a técnica consensual se revela inadequada, especialmente no conflito marcado por violência doméstica, em que a esposa precisa obter medida protetiva contra marido violento, por exemplo. Não é adequado em uma demanda deste tipo designar a realização de uma sessão inicial de autocomposição, nem se a esposa expressar ter condições de passar por isso, restando patente, nas palavras de Tartuce, a inadequação da sessão consensual para tentativa de autocomposição do conflito, mesmo se uma das partes não manifestar sua oposição à realização da audiência, que não deverá ser designada.

           A alternativa encontrada por Fernanda Tartuce para tratar do que diz considerar uma inadequação, ao não existirem determinadas exceções específicas para impedir a revitimização em Ações de Direito de Família com a designação de audiências de conciliação ou mediação entre a vítima de violência doméstica e o agressor, é a discussão da autonomia da vontade, reiterando a autora que, ao tratar do tema da autocomposição judicial, a Resolução 125/2010 do CNJ reconhece ser a autonomia da vontade o dever de respeitar os diferentes pontos de vista dos envolvidos, estando assegurado que possam chegar a uma decisão voluntária e não coercitiva, com liberdade para tomar as próprias decisões durante ou no final do processo. Além disso, a autora destaca o princípio da dignidade da pessoa humana, com os preceitos do respeito (a) à integridade física e psíquica do indivíduo, (b) aos pressupostos mínimos para o exercício da vida e (c) às condições mínimas de liberdade e convivência social.

A partir de tal discussão, Tartuce (2017) apresenta o conceito de “empoderamento”, indicado como senso de “autofortalecimento” do indivíduo, destacando que o mediador transformativo atua para promover o “empoderamento” e o reconhecimento, isto é, a valorização do ponto de vista do outro. Assim, a autora propõe que a mulher em cenário de violência não está em plenas condições de igualdade de conversar com o agressor, devendo o programa de mediação ter critérios apropriados para tal interação, entendendo a pesquisadora que a mediação, em que pese toda discussão trazida por ela, pode ser caminho para casos que envolvam violência familiar. Em São Paulo, segundo ela, há o exemplo de mediação especializada em contextos de violência e o projeto “Íntegra – Gênero e Família”, que se vale de uma metodologia em que (a) os processos são estudados por equipe técnica interdisciplinar (mediadores, advogados, assistentes sociais e psicólogos); (b) as partes processuais participam de sensibilização com separação da vítima; (c) se aderirem, passam por entrevista psicossocial individual; entre outros aspectos em que se vê um desenho do programa para além de apenas se designar uma sessão inicial de conciliação em juízo.

Já Nejaim & Hildebrand (2021), em Obrigatoriedade ou não da audiência de mediação e conciliação em ações de família com violência doméstica e familiar, ao enfrentarem a mesma questão que Tartuce analisa em seu artigo, também trazem uma importante contribuição, após se debruçarem sobre o conceito de violência doméstica e familiar e analisarem normas relativas à mediação nas ações de família, visando tratar da melhor interpretação para o dispositivo processual, chegando a analisar algumas decisões judiciais. As autoras refletem sobre a obrigatoriedade da realização de audiência preliminar de mediação e conciliação no procedimento comum, conforme o art. 334 do CPC/15, com exceção apenas nos casos em que a natureza do direito litigioso não admitir a autocomposição ou quando ambas as partes manifestarem expressamente o desinteresse da realização da audiência.

Fique sempre informado com o Jus! Receba gratuitamente as atualizações jurídicas em sua caixa de entrada. Inscreva-se agora e não perca as novidades diárias essenciais!
Os boletins são gratuitos. Não enviamos spam. Privacidade Publique seus artigos

Nejaim & Hildebrand destacam que dados estatísticos colhidos no programa Justiça em Números de 2020 permitem concluir que os métodos autocompositivos têm excelente resultado inclusive devido à obrigatoriedade da designação de uma audiência preliminar de mediação, prevista atualmente nos art. 334 e art. 694, do CPC/15, apontando a divergência na doutrina sobre a possibilidade de mitigação dessa obrigatoriedade pela vontade das partes nas ações de família, havendo corrente majoritária que entende não ser possível tal manifestação expressa de desinteresse na realização da audiência de mediação ou conciliação, por ser fase procedimental obrigatória nas Ações de Direito de Família, sem opção de dispensa, em procedimento especial (distinto do procedimento comum, que prevê a dispensa), entendimento de doutrinadores como Daniel Amorim Assumpção Neves, Leonardo Carneiro da Cunha, José Miguel Garcia Medina, Humberto Theodoro Júnior e Marcelo Mazzola, todos os citados sendo homens (!). Com ponto de vista distinto, minoritariamente, entendendo não ser obrigatória a realização da audiência em casos envolvendo violência doméstica, estão Flávia Hill e Fernanda Tartuce, todas as citadas sendo mulheres (!).

Por isso, questionam as autoras, diante da corrente majoritária, como lidar com pessoa em situação de violência doméstica ou familiar, compatibilizando o procedimento previsto no CPC/15 com o princípio da Dignidade da Pessoa Humana, a Lei Maria da Penha e tratados internacionais de Direitos Humanos? (NEJAIM & HILDEBRAND, 2021: 471) Afinal, destacando dados trazidos por Parizotto (2018), há constatação empírica de vítimas na mesma sala de espera, para audiência de conciliação, com quem deveria estar a 100 metros dela (!). É fácil se imaginar o risco que essa vítima sofre em relação à sua vida, inclusive ao voltar para casa. Ademais, cada Estado possui regras distintas para acesso a defensor público, não havendo possibilidade de defensor para audiências de conciliação, por exemplo, em São Paulo.

Na corrente minoritária na doutrina[2], Hill, citada por Nejaim & Hildebrand (2021), entende a Lei Maria da Penha justifica dispensa da sessão de mediação, ao prever que o Poder Público crie condições para direitos da mulher serem respeitados – direito à segurança, ao acesso à justiça, à dignidade e ao respeito. Mesma posição de Lariane Vialli, igualmente citada pelas autoras, que compreende que a obrigatoriedade de comparecimento pode colocar em risco a integridade física e/ou psicológica da ofendida. Em suma, questionam Nejaim & Hildebrand os riscos de a mulher (a) ser agredida na ida ou volta do ato, (b) estar a sujeita à violência psicológica ou moral durante a audiência presencial ou on-line, (c) passar por sofrimento que possa deixá-la desestabilizada ou vulnerável, etc. Mas não defendem que a audiência seja simplesmente dispensada em todos os processos em que exista violência doméstica ou familiar, pois a pessoa em situação de violência pode estar devidamente representada por advogado ou defensor público e manifestar expressamente seu desejo em participar de tal audiência. Nessa hipótese, para haver a realização da audiência autocompositiva sugerem de início a conscientização do agressor, com técnica da justiça restaurativa, visando que ele compreenda não haver normalidade no comportamento agressivo.

Finalmente, a alternativa proposta por Nejaim & Hildebrand (2021) é de que o conflito familiar com violência doméstica seja tratado através da justiça restaurativa, com grupos reflexivos em etapas sequenciais, encontros individuais e preparação das partes, com conscientização do agressor sobre a sua responsabilização. Apenas após tal diálogo em sede da violência doméstica, estaria preparado, nas suas palavras, terreno fértil para a viabilidade e eficácia da mediação civil para a composição do conflito de interesses nas Ações de Direito de Família, devendo o Judiciário se despir de legalismo exacerbado e buscar uma interpretação sistematizada das normas processuais, agindo com humanização processual, nos termos do artigo 8º do CPC/15, o que garantirá maior eficiência na sua atuação jurisdicional, com ponderação entre as normas para que a justiça seja alcançada com a proteção dos direitos fundamentais.

Todas essas contribuições de Tartuce (2017) e Nejaim & Hildebrand (2021) encontram eco no interessante artigo de Carvalho (2021), voltado para o grande público, mas em que a autora entrevista advogada cuja cliente havia sofrido violência com seu companheiro lhe ateando fogo (!) e, após fugir de casa, para recuperar a guarda das crianças, receber pensão e obter algum tipo de justiça, precisou recorrer aos tribunais. Todos os pedidos da advogada para não haver audiência de conciliação foram negados, obtendo ao máximo que o ex-casal fosse ouvido em momentos diferentes. Tal caso levou a OAB do Paraná a obter junto ao TJPR uma recomendação aos Juízos de Família de Primeiro Grau de jurisdição para que, dentro de sua autonomia funcional, avaliem a possibilidade de realizar audiências de conciliação nos casos envolvendo violência doméstica e familiar contra a mulher apenas quando haja o consentimento expresso da vítima. Carvalho (2021) aponta ainda que o art. 334 do CPC/15 possui conflito com a Lei Maria da Penha, preconizando que as partes tentem conciliação antes que tenha início o litígio, com audiência designada automaticamente e a parte que não comparecer ficando sujeita a multa ou ato atentatório contra a dignidade da justiça.

Igualmente, o artigo de Parizotto (2018), Violência doméstica de gênero e mediação de conflitos: a reatualização do conservadorismo, autora que parte do campo da Assistência Social e não do Direito, traz importante contribuição com base empírica de sua pesquisa, conforme já nos referimos acima. Sobretudo, a autora problematiza a utilização da mediação de conflitos em processos cíveis relacionados à violência doméstica de gênero, em uma pesquisa empírica sobre implementação da Lei Maria da Penha pelo Poder Judiciário. Mais uma vez, o art. 334 do CPC/15 é tratado como um dispositivo que obriga uma audiência de mediação ou conciliação mesmo em casos envolvendo violência doméstica. Conclui Parizotto (2018) que a conciliação ou mediação de conflitos reforça as desigualdades instaladas nas relações de gênero em contextos de violência doméstica, com tratamento superficial e insuficiente ao enfrentamento da violência doméstica de gênero, demonstrando a banalização e a invisibilidade vigente dos crimes dessa natureza dentro do Poder Judiciário, com grande risco que tais práticas podem gerar às mulheres e aos profissionais envolvidos. Parizotto (2018) então chega à preocupante constatação de que setores majoritários do Poder Judiciário têm atuado tacitamente pela não implementação da Lei Maria da Penha, evitando confrontar a violência doméstica de gênero devidamente, em ofensiva liberal e machista dentro do Judiciário.

 

Conclusão: as alternativas possíveis de uma interpretação do art. 334, §4º, I conforme a CF-88 ou de um inciso III ao art. 334, §4º

 

Depois de destacarmos todas essas contribuições que apresentamos ao longo do presente artigo, não carecendo repetir nesta conclusão os diagnósticos e possíveis soluções apresentadas pelas autoras referidas (todas mulheres, assim como são mulheres todas as doutrinadoras referidas contra a obrigatoriedade da audiência em casos com violência doméstica – e homens todos os doutrinadores a favor de tal obrigatoriedade!), cabe nesta conclusão apresentarmos duas propostas:

(a) Considerando que a mulher em cenário de violência não está em plenas condições de igualdade de conversar com o agressor e a inexistência de exceções específicas para impedir a revitimização em Ações de Direito de Família em audiências de conciliação, concordamos que o Judiciário deva abrir mão de certo legalismo, com interpretação sistematizada das normas processuais e humanização processual, com os juízes interpretando tais normas conforme a CF-88 e o princípio da Dignidade da Pessoa Humana, permitindo jurisprudencialmente uma exceção ao art. 334 §4º, desobrigando vítimas de violência doméstica da obrigatoriedade da designação da audiência de conciliação, nos termos defendidos pelas autoras cujas ideias foram mobilizadas no presente trabalho.

(b) E, por fim, provocativamente, defendemos que deveria haver um inciso III no art. 334, §4º que excetuasse legalmente (!) a obrigatoriedade de audiência de conciliação em Ações de Direito de Família envolvendo agressor e vítima de violência doméstica, cabendo ao legislador tal modificação e à sociedade sua reivindicação!

 

Referências bibliográficas

 

CARVALHO, Jess. Por que audiência de conciliação é um desserviço para mulheres vítimas de violência? TJ-PR recomenda que juízes saibam se a mulher está disposta a conciliar; profissionais explicam o motivo. Jornal Plural (on line). Curitiba/PR. 15 fev. 2021. Disponível em https://www.plural.jor.br/noticias/vizinhanca/por-que-audiencia-de-conciliacao-e-um-desservico-para-mulheres-vitimas-de-violencia/

 

NEJAIM, América Cardoso Barreto Lima & HILDEBRAND, Cecília Rodrigues Frutuoso. Obrigatoriedade ou não da audiência de conciliação e mediação em ações de família com violência doméstica e familiar. In: ALVES, Lucélia de Sena; GOMES, Fernanda & BORGES, Souza (orgs). 5 anos de vigência do Código de Processo de 2015. Belo Horizont/São Paulo: D’Plácido, 2021.

 

PARIZOTTO, Natália. Violência doméstica de gênero e mediação de conflitos: a reatualização do conservadorismo. Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 132, p. 287-305, maio/ago. 2018.

 

TARTUCE, Fernanda. Audiência consensual inicial, violência doméstica e empoderamento. Revista Magister de Direito Civil e Processual Civil. Porto Alegre, v.14, n.80, p. 45-57, set./out. 2017.

 

 

 

           Jurisprudência pesquisada e referida

 

TJSP, 2ª Câmara de Direito Privado, Agravo de Instrumento nº 2215265-68.2016.8.26.0000 - Campinas, Rel. Des. José Carlos Ferreira Alves, v.u., j. 12/12/2016

 

TJ-SP – Agravo de Instrumento n. 2097212-21.2022.8.26.0000 SP, Relator: Des. Alcides Leopoldo, Data de Julgamento: 15/06/2022, 4ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 15/06/2022

 

TJ-GO – Agravo de Instrumento n. 00431782420198090000, Relator: LEOBINO VALENTE CHAVES, Data de Julgamento: 13/06/2019, 2ª Câmara Cível, Data de Publicação: DJ de 13/06/2019



[1] Identificamos tal entendimento em uma pesquisa jurisprudencial na decisão contestada no Agravo de Instrumento do TJGO nº 00431782420198090000 GO, recurso contra decisão que designava audiênciamesmo havendo medida protetiva da requerente de restrição de aproximação em sede criminal.

[2] Tal entendimento minoritário pode ser encontrado também na jurisprudência, em algumas decisões, como o Agravo de Instrumento do TJSP n. 2097212-21.2022.8.26.0000, que encontramos em uma pesquisa jurisprudencial, em que o art. 334, §4°, I é considerado previsão legal de que, se ambas as partes quiserem, a audiência de conciliação será cancelada mesmo nos casos de Ações de Direito de Família. Infelizmente, porém, a decisão considera a vontade de ambas as partes, conforme o art. 334, §4º, II, e não apenas a vontade de uma das partes, a vítima, o que a nosso ver e da doutrina minoritária já seria o suficiente. Aliás, em termos processuais, Nejaim & Hildebrand (2021) explicam que o recurso cabível da decisão que obriga a parte em situação de violência doméstica a comparecer na audiência prevista no art. 695 do CPC/15 é o Agravo de Instrumento, pois o STJ permite a interposição de Agravo de Instrumento em situações em que aguardar a oportunidade da Apelação não traz qualquer utilidade para a parte.

 

Sobre o autor
Carlos Eduardo Oliva de Carvalho Rêgo

Advogado (OAB 254.318/RJ). Doutor e mestre em Ciência Política (UFF), especialista em ensino de Sociologia (CPII) e em Direito Público Constitucional, Administrativo e Tributário (FF/PR), bacharel em Direito (UERJ), bacharel e licenciado em Ciências Sociais (UFRJ), é professor de Sociologia da carreira EBTT do Ministério da Educação, pesquisador e líder do LAEDH - Laboratório de Educação em Direitos Humanos do Colégio Pedro II.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Publique seus artigos