Capa da publicação Etnias indígenas: mesmas normas para realidades diversas
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Desenvolvimento dos povos indígenas e sua diversidade entre as etnias situadas na região amazônica e sul do Brasil.

O estado de coisas inconstitucional na tutela dos correlatos direitos fundamentais

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25/09/2023 às 13:20
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CONCLUSÃO

Depreende-se do esposado no presente artigo, que o contexto regional e o fator colonialidade influenciam no desenvolvimento e inserção social da população indígena, de modo que a violência perpetrada pelo opressor, da mesma forma que ocorre em outras situações de colonização, irá refletir na socialização do índio, na postura do cacique e na organização da respectiva aldeia.

As diferenças ficam evidentes quando se faz um paralelo entre os povos indígenas situados na região amazônica e os localizado no Sul do Brasil, em especial os pertencentes à Reserva Indígena Xapecó, com etnia Kaingang. Assim, resta cristalina a maior inserção social desta etnia se comparada com as demais residentes na Amazônia, possivelmente explicada pela menor opressão sofrida na região oeste de Santa Catarina.

Os constantes conflitos que envolvem as terras indígenas na região da Amazônia, acaba por amedrontar as etnias que residem no local, ocasionando um maior isolamento e, consequentemente, uma menor inserção na sociedade dita civilizada. Somado a isso, revela-se flagrante a omissão do Poder Público na implementação de políticas públicas a fim de tutelar o espaço territorial desses índios.

Dessa forma, ao longo do tempo, os diferentes graus civilizatórios dos povos indígenas situados nas regiões Sul e amazônica, poderão acarretar uma enorme diversidade cognitiva, a justificar tratamento diferenciado entre as populações indígenas, uma vez que para aqueles não haverá fundamento que embase uma maior tutela estatal.

Verifica-se, assim, que há uma reiterada e sistêmica violação aos direitos fundamentais dos povos indígenas, definida como sendo um “Estado de Coisas Inconstitucional”, que demandará uma complexidade de ações com o escopo de reverter esse quadro, numa atuação conjunta e coordenada dos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário.

A sociedade civil organizada, sabedora das omissões e dificuldades enfrentadas pelo Poder Público para enfrentar esse plexo de problemas, procura atuar em paralelo a fim de propiciar uma maior tutela à população indígena. No entanto, infelizmente não se mostra suficiente.

Destarte, resta premente que haja uma profunda e radical alteração legislativa, para que, dentro do atual contexto em quem se insere o povo indígena, as normas sejam adequadas à hodierna realidade, não se esquecendo da necessária atuação do Poder Executivo na implementação de políticas públicas, precipuamente voltadas à proteção do espaço territorial do índio.

Ainda não se sabe a que ponto chegará na história da humanidade o processo de avanço civilizatório, sobretudo, na observância dos direitos fundamentais inerentes a qualquer indivíduo e que devem ser respeitados independentemente de quem seja o seu titular, raça, etnia ou crença.

Não há dúvida de que houve um certo avanço, mas ainda insuficiente, uma vez que a tutela dos direitos fundamentais muitas vezes não se revela eficaz no que concerne a certas minorias, que ainda se encontram fragilizadas, feridas ou traumatizadas pela violência sofrida pelos antepassados.

Além de não conhecerem os instrumentos postos à sua disposição para a proteção desses direitos, determinados povos, notadamente os indígenas, ainda são relegados a segundo plano pelos próprios órgãos que deveriam tutelar os seus interesses, de modo que não se revela uma tarefa fácil a criação de mecanismos para sua inserção social.

O estudo realizado, dentro dos limites do trabalho a ser desenvolvido, procurou, ainda que suscintamente, explicar as razões pelas quais determinada população indígena alcançou um maior desenvolvimento e outra não. Alguns fundamentos foram invocados, bem como as consequências dos diferentes graus de desenvolvimento social e cognitivo.

Conquanto se possa fazer uma dedução acerca do assunto, revela-se praticamente impossível fazer um exato prognóstico do que deveras ocorrerá a longo prazo com a população indígena do Brasil, mormente em virtude dessas diferenças e da omissão estatal em resolver os correlatos problemas.

No entanto, é notório que as diversidades resultarão em níveis de maturidade cognitiva e intelectual diferentes dentro de uma mesma população, inicialmente considerada como silvícola e que, ao menos em parte, será equiparada aos demais povos que já possuem plena capacidade de entendimento e autodeterminação.

O Ordenamento Jurídico vigente não possui dispositivos para abarcar essa gama de situações fático-jurídicas que poderão surgir no futuro, de modo que o Poder Legislativo deve ficar dede já atento para encaminhar proposta no sentido de adequar a atual legislação à nova realidade que invariavelmente deverá ser enfrentada.

Caso não ocorra uma rápida atuação legiferante pelo Parlamento brasileiro, remanescerá o “Estado de Coisas Inconstitucional”, perpetuando-se a omissão estatal no que concerne à integral tutela dos direitos fundamentais dos indígenas.


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Sobre o autor
Rodrigo Spessatto

Graduação em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC/PR). Mestrando em Direito pela Universidade do Oeste de Santa Catarina (UNOESC). Especialista em Direito Público pela Universidade Potiguar (UNP). Procurador da Foz Previdência (FOZPREV) – Paraná, Brasil.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SPESSATTO, Rodrigo. Desenvolvimento dos povos indígenas e sua diversidade entre as etnias situadas na região amazônica e sul do Brasil.: O estado de coisas inconstitucional na tutela dos correlatos direitos fundamentais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 28, n. 7390, 25 set. 2023. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/102959. Acesso em: 18 mai. 2024.

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